VALE LEITURA – Entrevista realizada pelo sempre necessário JL Política & Negócios com Ismar Viana, auditor do TCE/SE, é longa, mas é também essencial

Para editar esse VALE LEITURA, deixando aqui apenas e exclusivamente o preâmbulo do PHodástico jornalista Jozailto Lima e suas perguntas ao auditor do TCE/SE, devidamente respondidas, Ismar Viana, AnderSonsBlog teve um trabalho danado! É que o querido Joza, de maneira irrepreensível, busca humanizar suas entrevistas dominicais de forma a ofertar ao seu leitorado não apenas o efetivo conteúdo, mas também o contexto em que seus entrevistados estão inseridos nessa coisa magnânima que se chama vida, ora pois! Assim, para se absorver o todo, AnderSonsBlog sugere a leitura na fonte original (leia AQUI). Mas não abdicará da possibilidade de ofertar a você, leitor e leitora, o acesso a tão fundamentais informações a partir do que Ismar Viana declara. É longa, sim! Mas também é uma entrevista que fornece munição suficiente para que nem se romantize e nem se criminalize gestores públicos. Duvida? Então, faça uma boa leitura!

Ismar Viana: “É possível conjugar critérios técnicos e políticos sem que engesse a administração pública”

Jozailto Lima*

Não é utopia, desejo exacerbado e algo fora da realidade. O fato é que a administração pública brasileira, de 2018 para cá, está cercada de boas leis e bons amparos para que os gestores centrais nos três níveis de poderes e os secundários possam se movimentar bem.

Movimentar bem é garantir um campo civilizado e sob um viés de republicanismo que atenda bem a quem se destinam os serviços públicos – o povo, às comunidades, as pessoas de modo geral. E que se possa errar menos.

Neste tema e em suas boas consequências e aplicabilidade, o Estado de Sergipe guarda uma figura de dimensão nacional e de olhar científico e bem aberto.

Trata-se de Ismar Viana, 42 anos, advogado, auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e, mais do que isso, presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil – como se vê, uma instituição de abrangência do país inteiro.

“De 2018 para cá, foram significativas as transformações. Nunca se fez tão necessário discutir essas transformações e seus reflexos na responsabilização de agentes públicos e privados que manejam recursos públicos, inclusive por omissão, quanto ultimamente”, constata Ismar.

“Ainda em 2018, a Lei 13.655 inseriu diversos dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, inaugurando um novo formato de gestão e de controle da administração pública. O que se quis foi evitar que o gestor da coisa pública decidisse com base em achismos, em visões pessoais, de forma dissociada da realidade e da efetiva necessidade dos administrados, mais apropriadamente denominados de cidadãos, detentores que são do direito fundamental à uma boa gestão pública”, reforça ele.

“Ou seja, esse novo formato buscou estimular a capacidade de inovação dos agentes públicos, incentivando o gestor da coisa pública a mirar nos reais interesses da coletividade como um fim a ser alcançado, e não em interesses pessoais. Quanto a ser mais fácil, isso dependerá da organização institucional, da forma como os agentes são arregimentados e qualificados”, diz Ismar.

É desse imenso arcabouço técnico, da necessidade de maiores interação e participação dos cidadãos e gestores na administração pública que toda a Entrevista com Ismar Viana vai tratar. Nesse aspecto, ela é demasiadamente afirmativa e cidadã – e é a segunda vez que esse cidadão dá as caras aqui neste espaço domingueiro.

Ismar dos Santos Viana é de 1980, tendo nascido no dia 18 de maio em Aracaju, mas foi criado em Lagarto desde a infância. É filho de Ismael do Carmo Viana e de Marlene Santiago dos Santos Viana.

Ele é casado com Viviane Oliveira Mascarenhas Viana e é pai de João Vitor Mascarenhas Viana, de 10 anos, e de Matheus Mascarenhas Viana, de três.

Ismar Viana é mestre e doutorando em Direito Administrativo pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Administrativo, em Combate à corrupção: prevenção e repressão aos desvios de recursos públicos e em Direito Educacional.

Ele é membro do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo, Cidadania e Concretização de Políticas Públicas, da Universidade Federal de Sergipe, e do Grupo de Pesquisa Direito e Combate à Corrupção da PUC-SP.

Compõe o Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro – Idasan -, a Comissão de Direito Administrativo Sancionador do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e é autor e coautor de livros na área de controle e de gestão da administração pública.

Na Ordem dos Advogados do Brasil de Sergipe, Ismar presidiu a Comissão de Direito Administrativo e de Controle da Administração Pública. Há mais de 24 anos atua na administração pública, tendo passado pela Secretaria de Estado da Justiça de Sergipe e pela Secretaria Municipal de Administração e da Ordem Pública de Lagarto.

Atualmente é auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. No TCE, já atuou como coordenador de gabinete de conselheiro acumulando funções de presidente da Comissão Permanente de Sindicância e Processo Administrativo, a Coordenadoria da Escola de Contas, foi assessor-chefe da Presidência e coordenador da Unidade de Informações Estratégicas do Tribunal, nas gestões dos ex-presidentes Clóvis Barbosa, Ulices Andrade e Luiz Augusto Ribeiro.

Desde junho de 2022 desempenha as suas atribuições funcionais na Diretoria Jurídica do Tribunal, órgão para o qual prestou concurso público em 2011, ingressando na gestão do então presidente Carlos Pinna.

No campo acadêmico, Ismar Viana é professor e coordena a pós-graduação em Direito Sancionador da Faculdade de Direito 8 de Julho, também voltada ao controle e à responsabilização de agentes públicos e privados no manejo de recursos públicos.

Ele atuou em pós-graduação na Escola Judicial do Estado de Sergipe e na Escola Mineira de Direito. É palestrante com foco no controle da administração pública.

A Entrevista com Ismar Viana é repleta de códigos significativos para gestores públicos e para usuários de serviços públicos, e vale a leitura.

JLPolítica & Negócio – Fala-se muito que a legislação sobre a administração pública passou por grandes mudanças de 2018 pra cá. Realmente isso aconteceu? Há impacto na atuação dos governantes, gestores e agentes públicos?

Ismar Viana – Sem dúvida, sim. De 2018 para cá, foram significativas as transformações. Nunca se fez tão necessário discutir essas transformações e seus reflexos na responsabilização de agentes públicos e privados que manejam recursos públicos, inclusive por omissão, quanto ultimamente.

JLPolítica & Negócio – Quando se inicia essa nova formatação de gestão e de controle da administração pública?

IV – Ainda em 2018, a Lei 13.655 inseriu diversos dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB -, inaugurando um novo formato de gestão e de controle da administração pública. O que se quis foi evitar que o gestor da coisa pública decidisse com base em achismos, em visões pessoais, de forma dissociada da realidade e da efetiva necessidade dos administrados, mais apropriadamente denominados de cidadãos, detentores que são do direito fundamental à uma boa gestão pública. De 2018 para cá, tivemos, além das mudanças na LINDB, a Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais -, a lei 13.869, de 2019 – de abuso de autoridade -, a 14.133, de 2021 – novo marco de licitações e contratos administrativos -, e a lei 14.230, de 2021, que alterou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa, entre outras.

JLPolítica & Negócio – O senhor acha que hoje ficou mais fácil e mais técnico se decidir na esfera pública?

IV – No plano normativo, sim. Diria que foi pavimentado caminho para uma maior profissionalização da administração pública. O cenário, hoje, impulsiona a tomada de decisões com base em dados e evidências. Ou seja, esse novo formato buscou estimular a capacidade de inovação dos agentes públicos, incentivando o gestor da coisa pública a mirar nos reais interesses da coletividade como um fim a ser alcançado, e não em interesses pessoais. Quanto a ser mais fácil, isso dependerá da organização institucional, da forma como os agentes são arregimentados e qualificados.

JLPolítica & Negócio – E isso gera o quê?

IV – Isso garante a otimização dos recursos públicos. Com a difusão rápida de informações, impulsionadas, em larga medida, pelo advento das novas tecnologias de comunicação e mídia, o cidadão, que é mantenedor do aparato estatal, passou a reprovar, com mais veemência, o uso da máquina pública para a exploração de benefícios exclusivamente pessoais. Daí porque hoje facilmente se percebe a distinção entre discricionariedade, que é regrada, e arbitrariedade, que é incompatível com o Estado Nacional e Democrático de Direito. É preciso compreender que quanto mais amplo for o exercício da discricionariedade administrativa, teremos, igualmente, um expansionismo do controle de discricionariedade pelo Poder Judiciário.

JLPolítica & Negócio – O senhor diria que os cidadãos estão equipados com boas informações para levantar o crachá dos seus direitos?

IV – Eu diria que, para evitar incompreensões sociais, é preciso dotar os cidadãos de dados e informações íntegras e confiáveis, para que bons e maus gestores não venham a ser lançados na mesma vala. Assim, o cidadão conseguirá compreender que o bom gestor público é aquele que cumpre os ditames constitucionais e legais, que não faz das limitações decorrentes do exercício de um cargo público discurso para não implementar políticas públicas que possam melhorar a vida da coletividade. Estando municiado de informações, cabe ao cidadão fazer uma adequada valoração.

JLPolítica & Negócio – Mesmo diante do descrédito social na administração pública, é justo que os órgãos de controle tratem de igual modo o gestor corrupto e o gestor incauto?

IV – Certamente, não. É que se ao gestor inábil for dado igual tratamento ao dado ao gestor corrupto, ímprobo, desonesto, mal-intencionado, estarão os órgãos de controle apartando-se da ideia de proporcionalidade, razoabilidade, de justiça por assim dizer, e contribuindo, com isso, para que os gestores comprometidos com o bem da coletividade percam o estímulo de cuidado com o bem público, que é de todos, afastando-se definitivamente e, por via de consequência, da vida pública. Não se pode sancionar em igual medida as meras falhas formais e as irregularidades graves, caracterizadoras de atos dolosos de improbidade administrativa, sob pena de se inverter o papel de justiça. A pecha da imprestabilização de contas, por exemplo, deve ocorrer nos casos decorrentes de ilegalidades graves, ainda que não causadoras de dano material e econômico quantificável ao erário.

JLPolítica & Negócio – Mas como mirar os interesses da coletividade sem conhecer quais são, de fato, as reais necessidades sociais?

IV – De fato, só se discute sobre o que se conhece. É exatamente por isso que as escolhas dos integrantes dos primeiros escalões de governo não podem ser pautadas exclusivamente por critérios político-partidários, critérios exclusivamente pessoais. Eu costumo dizer que há o campo da política e há o campo da técnica. O problema é quando há confusão entre qual é qual. Quanto à responsabilidade decorrente das escolhas, é o direito quem traz a culpa in eligendo – escolhas -, não é voluntarismo dos agentes de controle. É poder-dever de seguir o ordenamento jurídico posto.

JLPolítica & Negócio – Por onde passa o efetivo sucesso de uma gestão pública?

IV – O sucesso de uma gestão passa pelo acerto das escolhas dos responsáveis por conduzir o processo de formulação e execução das políticas públicas. Isso, contudo, não quer dizer que as escolhas devam ser exclusivamente técnicas. Não é isso. É possível conjugar critérios técnicos e políticos, sem que isso engesse a administração pública ou torne o governante refém de uma desarrazoada, insensível e acrítica tecnicidade.

JLPolítica & Negócio – É preciso termos uma valorização dicotômica entre técnica e política?

IV – Sim. Precisamos nos desprender do discurso simplista e equivocado pautado pela suposta existência de um antagonismo entre técnica e política. A bem da verdade, o bom técnico tem, sim, sensibilidade política. O bom técnico transita bem no ambiente político, até porque consegue compreender bem a importância desse ambiente para a satisfação dos interesses da coletividade. O que não pode é nos depararmos com o encerramento de um pleito eleitoral e, mal se inicia a gestão, já se começa a discutir o cenário de composições políticas para o próximo pleito. Ou seja, é o processo político-eleitoral se sobrepondo ao projeto principal e razão de existir das eleições, que é o projeto de gestão da coisa pública. É preciso questionar: há projeto de continuidade administrativa ou só projeto político de permanência no poder? Há um outro desafio a ser superado por aqueles que são eleitos pelo povo para administrar bens, valores e dinheiros públicos. É preciso que eles tenham em mente que os parâmetros que norteiam a gestão da coisa pública não são exatamente os mesmos que norteiam a gestão da coisa privada. Noutro dizer, aquele que desembolsa o suado dinheiro fruto do seu trabalho para pagar IPTU, ISS, IPVA, ICMS, IR, por exemplo, é detentor do direito fundamental à uma boa gestão pública, a despeito de serem tributos não vinculados. Eu, na condição de dono de uma empresa, posso colocar para ser empregado ou gerente dela um amigo, ainda que esse amigo não revele aptidão para ocupar o posto nessa empresa. Afinal de contas, o dinheiro é meu, privado.

JLPolítica & Negócio – Isso não se aplica à vida pública.

IV – Não. Diferentemente, eu sendo prefeito, governador, presidente da República, procurador-geral de Justiça, por exemplo, não posso escolher alguém para dirigir um órgão a partir desse mesmo critério de amizade, seja porque estou gerindo dinheiro alheio, de todos, seja porque a escolha pautada por critérios que não sejam o da qualificação adequada do escolhido sujeita a administração pública a alto grau de risco de má-gestão dos recursos públicos, que são de todos, sendo compostos de receitas de impostos pagos pelo contribuinte, e não de dinheiro privado de titularidade do gestor da coisa pública.

JLPolítica & Negócio – Mas essa regra é, na mais das vezes, aviltada, não é?

IV – Sim. O que se vê é o inverso, os gestores que também são empresários não convidam amigos sem qualificação para ocupar postos em suas empresas, mas convidam para ocupar cargos públicos. A relação entre receita e despesa não tem mágica. É preciso arrecadar corretamente e gastar, de igual modo, corretamente. Isso passa, necessariamente, pelas escolhas adequadas. Somente assim os cidadãos conseguirão sentir os efeitos de uma boa gestão pública. 

JLPolítica & Negócio – Se o ordenamento jurídico brasileiro fecha portas para essas indicações aos cargos públicos, muitas vezes de amigos não dotados de qualificação para os postos, o que está faltando para estancar essa sangria?

IV – Muito embora tenha havido uma mudança do nível de maturidade social, que passou a censurar, ainda mais, o uso de cargos públicos para a satisfação de interesses políticos-eleitoreiros ou interesses privados, em geral ainda há uma mudança tímida de maturidade política e institucional. É preciso reconhecer, por dever de lealdade ao debate, inclusive, que bons gestores já perceberam que a qualificação da máquina pública muda o cenário de dados. Os índices de efetividade de gestão pública são influenciados pelo nível de qualificação daqueles que formulam, executam e fazem controle das políticas públicas. Como a percepção social também é construída a partir da forma como os órgãos de Estado se estruturam, se organizam e entregam serviços à coletividade, diversos agentes políticos foram reeleitos a partir da exploração desses dados, fizeram suas campanhas em cima deles, o que revela que mirar na correta estruturação e organização da máquina pública é trabalhar no atacado, e não no varejo. Por fim, quanto à necessidade de mudança de patamar do nível de maturidade institucional, o fato é que temos uma exaustiva normatividade constitucional e legal que busca interditar ilegalidades no provimento de cargos públicos e alcançar a tão desejada qualidade do gasto público. O que falta, contudo, é migrarmos dessa normatividade para a efetividade institucional, o que tem sido um desafio, sobretudo para as instituições de controle, que precisam agir de forma concertada, mitigando riscos de erros na valoração de fatos e atos sujeitos à processualização de denúncias chegadas a essas instituições. 

JLPolítica & Negócio – Problema comum nas contratações de serviços terceirizados é o uso desvirtuado delas para a satisfação de interesses próprios de contratantes. Essa nova Lei de licitações trouxe algum remédio também para curar essa doença?

IV – Desvios de finalidade nessas contratações têm inviabilizado o alcance da qualidade na prestação dos serviços terceirizados, dado que as exigências editalícias terminam sendo descumpridas com as indicações de pessoas inaptas ao desempenho dos serviços que deram ensejo à contratação terceirizada. Agora, o artigo 48 da Lei 14.133, de 2021 – nova Lei de Licitações e Contratos – passou a vedar que a administração, por meio dos seus agentes, indique pessoas expressamente nominadas para executar direta ou indiretamente o objeto contratado, estabeleçam vínculo de subordinação com funcionário de empresa prestadora de serviço terceirizado, demandem o funcionário de empresa prestadora de serviço terceirizado a execução de tarefas fora do escopo do objeto da contratação, prevejam, em edital, exigências que constituam intervenção indevida da administração na gestão interna do contratado. Ou seja, a empresa contratada também poderá ser responsabilizada. No parágrafo único desse artigo, o legislador foi taxativo ao vedar a prática do “nepotismo nas terceirizações”

JLPolítica & Negócio – Isso evita atalhos nessas contratações?

IV – Essas vedações, na medida em que objetivam interditar desvios de poder na execução de contratos e desvios de função no desempenho dos serviços prestados pelos agentes terceirizados, buscam evitar que essas contratações sejam ilegitimamente utilizadas para fins diversos daqueles que constituíram a motivação formal da contratação. Situações dessa natureza, aliás, para além de potencial configuração de ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11, V da Lei 8.429, de 1992, podem, a depender do contexto fático, configurar crimes previstos nos 337-G e 337-L, inciso I, do CP, em tese, é claro. É preciso, contudo, ter muito cuidado em juízos de valores apressados e dissociados de elementos consistentes que possam sustentar as nossas conclusões.

JLPolítica & Negócio – Que tipo de cautela deve ser adotada?

IV – Não podemos partir do pressuposto de que todos os gestores públicos são acometidos dessa “doença”. Penso, também, que, assim como há gestores públicos que precisam desses “remédios”, há segmentos sociais que precisam realizar um acurado juízo de consciência para evitar presunções equivocadas de má-fé. Isso porque a má-fé não se presume. Ela precisa ser provada. É que não podemos presumir que todos os gestores públicos são mal-intencionados, porque não é verdade. Como em todos os segmentos, há os bons e os maus agentes. É assim nas relações públicas e privadas.

JLPolítica & Negócio – Como presidente de uma entidade nacional de auditores, como o senhor avalia que esses agentes de estado poderiam contribuir para cessar com essas práticas lesivas ao bom funcionamento da administração pública?

IV – Ainda nessa linha de mudança de paradigma normativo de gestão e de controle da administração pública, após as mudanças operadas pela Lei 14.230/2021, que reformou a Lei de Improbidade Administrativa, as irregularidades valoradas no âmbito do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas levarão os órgãos de auditoria e instrução processual dessas instituições, em sede de conclusões instrutórias, a opinarem pelo exercício da função cientificadora. Ou seja, o Tribunal de Contas competente deverá comunicar a ocorrência de atos de improbidade aos órgãos com legitimidade para o ajuizamento dessas ações. É que as alterações produzidas pela Lei 14.230, de 2021 na Lei de Improbidade Administrativa alargaram o ônus argumentativo decisório, ao impor ao juiz, nessas ações, o dever de considerar as instruções e decisões dos Tribunais de Contas que tenham apurado fatos que sejam sujeitos à valoração no sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa. Isso reforça a necessidade de alertar os agentes públicos que manejam recursos públicos, que estão sujeitos ao dever de prestar contas aos Tribunais de Contas, tudo com vistas a evitar que venham a ser surpreendidos com procedimentos apuratórios deflagrados por órgãos de controle.

JLPolítica & Negócio – Esse alerta não poderia se materializar por meio de capacitações, por exemplo? Os órgãos de controle também não têm essa função pedagógica?

IV – Sim, sem dúvida. Se, de um lado, as mudanças operadas pela Lei 13.655, de 2018, exigiram do gestor da coisa pública decisões motivadas, fundamentadas e aderentes à realidade social, por outro inaugurou um novo formato de controle da administração pública, impondo aos agentes de controle o indisponível dever de considerar os obstáculos e dificuldades reais enfrentados pelo gestor da coisa pública, até porque não é fácil ser gestor, principalmente naqueles entes onde não há estruturações administrativas permanentes, onde há uma rotatividade de cargos públicos a cada quatro anos, onde não há historicidade da gestão, o que inviabiliza, sem dúvida, o gestor a conhecer as reais demandas que deverá gerir. Como já dito, esse novo formato de controle também inaugurou um novo sistema de responsabilização de agentes públicos e privados no manejo de recursos públicos. Um formato que não mira no punitivismo como fim a ser alcançado, que compreende que não há relação de subordinação ou de litigância entre agente controlador e agente controlado, dado que a relação deve ser pautada pela mútua colaboração, até porque o interesse de ambos é o mesmo: efetividade de políticas públicas. O povo é quem deve sentir os efeitos de uma boa gestão, seja no posto médico, seja na escola pública ou em qualquer local onde haja a prestação de serviço público. Também não foi sem razão que o novo marco de licitações e contratações públicas e a Lei de Improbidade Administrativa reformada positivaram, de forma expressa, o dever do poder público de oferecer contínua capacitação aos agentes públicos que atuem no manejo de recursos públicos, que atuem na prevenção ou repressão a atos de improbidade.

JLPolítica & Negócio – Essa nova realidade positiva mais o papel dos Tribunais de Contas?

IV – Sim. O artigo 173 da Nova Lei de Licitações foi mais incisivo nesse ponto, ao dispor que os Tribunais de Contas deverão, por meio de suas Escolas de Contas, promover eventos de capacitação para os servidores efetivos e empregados públicos designados para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei, incluídos cursos presenciais e a distância, redes de aprendizagem, seminários e congressos sobre contratações públicas. Penso que precisamos tornar cada vez mais clara para a sociedade a função pedagógica dos Tribunais de Contas, que se concretiza por meio de capacitações e a partir dos efeitos pedagógicos das suas decisões, não se confundindo com assessoramento. É que, a despeito de os Tribunais de Contas figurarem na condição de indutores de efetividade de boa gestão pública, a eles não foi conferida a missão de gerir a coisa pública. A Constituição Federal, ao dotar essas instituições de autonomia, buscou exatamente viabilizar a necessária segregação entre as funções de executar, da função de controle exercida pelos Tribunais de Contas, cujas instruções e os julgamentos são titularizados por agentes públicos distintos, exatamente para garantir imparcialidade instrutória e judicante, principalmente quando se leva em conta que os atos praticados no âmbito da função administrativa gozam de presunção de legitimidade. Penso que essa função pedagógica também deva ser concretizada pelos controles internos, que precisam ser devidamente instituídos e estruturados no âmbito da Administração Pública sergipana.

JLPolítica & Negócio – Falando nas mudanças operadas na Lei de Improbidade Administrativa, houve flexibilização da legislação na responsabilização de agentes públicos e privados no manejo de recursos públicos? Isso não pode ser visto como um incentivo à impunidade?

IV – Não diria que houve um incentivo à impunidade, embora entenda que as mudanças normativas incrementaram condições de procedibilidade dessas ações, o que tornará mais complexo o processo de responsabilização de agentes públicos e privados no manejo de recursos públicos.

JLPolítica & Negócio – Como assim?

IV – Refiro-me ao sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa. Com o advento da Lei 13.655, de 2018, a responsabilização-sanção de agentes públicos e privados que manejam recursos públicos passou a se restringir às situações em que se revelem o dolo ou o erro grosseiro. A nova administração pública não comporta gestores que afrontam dolosamente – prática intencional – os princípios basilares da administração pública, em prol da satisfação de pretensões que não se voltem ao interesse público. No âmbito das ações de improbidade, deverá ser demonstrado o dolo (vontade + querer).

JLPolítica & Negócio – Mas como identificar essas transgressões dolosas?

IV – Voltando os olhares especificamente para a esfera municipal, sem necessidade de ser um estudioso do assunto, é fácil perceber que diversos gestores públicos têm suas contas rejeitadas por não terem cobrado os tributos de competência do ente, em flagrante renúncia de receita, numa clara demonstração da inobservância do princípio da indisponibilidade do interesse público, dispondo, com isso, do que não é dele, mas, sim, de todos que nele depositaram irrestrita confiança na gerência da coisa pública. Por outra banda, o excesso de gastos com pessoal tem sido, mesmo após mais de 22 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma potencial causa de rejeição de contas. Isso se deve, dentre outros fatores, à ineficiência na identificação da real necessidade de arregimentação de servidores públicos, como já questionado antes. Some-se a isso o deliberado intento de acolher os apaniguados políticos, seja por meio das falsas contratações temporárias, que, a bem da verdade, duram todo o mandato e não se revestem do excepcional interesse público constitucionalmente exigido, seja por meio da nomeação de cargos em comissão sem vínculo com o poder público. Em razão desse conjunto de situações, reconheça-se, passou-se a alimentar a falsa ideia de que todo gestor público é corrupto, invertendo-se a presunção de probidade, honestidade, como se todos que se dispõem a gerir a coisa pública tivessem a intenção de dela se locupletar, como se todo agente público fosse corrupto por natureza – até que se prove o contrário. Parece-nos que alimentar essa ideia fixa não seja o melhor caminho para se tentar corrigir as mazelas que vêm assolando a administração pública brasileira. Não se pode colocar em vala comum os bons e os maus gestores, razão porque se faz necessário, como nunca se fez antes, diferenciar o joio do trigo, para que não sejamos acometidos do dissabor de sermos administrados apenas pelos maus gestores, eis que os bons, dotados das melhores intenções, se tratados em igualdade de condições, não se disporão a ocupar cargos públicos, deixando, portanto, a coletividade órfã, refém das práticas patrimonialistas dos maus gestores, cujo intento não é outro senão o de explorar benefícios de interesses pessoais.

*Jornalista”.

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