VALE LEITURA – Quem não conhece, já ouviu falar no Beco dos Cocos, no centro de Aracaju. Marcilio Costa e Marcos Pereira, da UFS, dão a letra! Ou melhor: dão todas as letras merecedoras dessa leitura

No caso dessa edição do VALE LEITURA, não tem nem muito o que falar em termos de apresentação. Publicado originalmente no Destaque Notícias, do grande Adiberto Souza (leia AQUI), trata-se de um retrato muito bem feito de um local, o Beco dos Cocos, que vive em extremo ostracismo diante de um centro aracajuano que segue, infelizmente, para o mesmo caminho do esquecimento e do abandono. Por isso mesmo que este AnderSonsBlog reproduz o texto na íntegra e incentiva também a sua leitura original no link acima, com muitas imagens que ajudam a explicar o que esse apanhado geral sobre o Beco dos Cocos entrega, afinal, o centro de Aracaju precisa de atenção, leitor e leitora! Boa leitura!

O boêmio Beco dos Cocos, do glamour ao abandono

Marcilio Costa* e Marcos Pereira**

Um pedaço do centro da cidade muitas vezes despercebido, outras vezes evitado. Paredes que são testemunhas de histórias de uma época de apogeu. Berço da boemia, recanto de música, jogos e outros prazeres. Do que era passagem obrigatória para homens importantes em busca de diversão, hoje é um caminho evitado, até recentemente, reduto de uma prostituição bem menos sofisticada, banheiro a céu aberto e ponto de tráfico e uso de drogas. Os resquícios da história saltam aos olhos dos poucos transeuntes e comerciantes que insistem em manter viva essa importante artéria do Centro Histórico de Aracaju: o Beco dos Cocos.

Atualmente travessa Silva Ribeiro, o Beco dos Cocos é um dos locais mais antigos de Aracaju. Localiza-se entre a Praça General Valadão e a rua Santa Rosa. É um atalho para quem vai da praça e quer chegar aos mercados centrais. Os comércios em funcionamento são poucos e nas paredes dos casarões ainda é possível observar a arte de grafiteiros que, em 2009, fizeram intervenções artísticas no local.

Um beco no caminho

Aracaju foi fundada em 17 de março de 1855. Residências de famílias mais abastadas foram construídas no entorno da área que corresponde ao atual Centro Histórico. Além dos moradores com alto poder aquisitivo, a nova capital também era construída por trabalhadores migrantes do interior, que se estabeleciam em alojamentos de fabricas têxteis no Bairro Industrial ou no Vaticano, prédio com grandes proporções, incomum para a época, que serviu como uma espécie de cortiço, abrigando a classe operária e também prostitutas. O beco surge como uma importante rota de passagem de cargas de cocos, o que explica o seu batismo.

Com o povoamento da nova capital, também surgiu a necessidade da existência de um local onde os homens pudessem satisfazer os seus desejos e alimentar suas aventuras extraconjugais, e que também pudesse servir como ponto de encontro de boêmios. Nesse contexto, o Beco dos Cocos aparece como o local ideal. Distante o suficiente da Catedral Metropolitana, onde estavam localizadas as residências das famílias mais abastadas e onde a moral era prezada, a travessa recebia novos moradores e investidores, que perceberam no local o seu potencial para bares e casas de jogos. Os estabelecimentos lá criados serviam não só aos ricos, mas também atendia a classe trabalhadora, residente no bairro Industrial e Vaticano. O local passou a despertar a curiosidade e os desejos, atraía os olhares e conquistava os homens da sua época.

Damas da noite

Instalaram-se no beco boates e cabarés, dos mais simples aos mais sofisticados, e o seu apogeu foi entre as décadas de 1940 a 1960. Em suas pesquisas, a antropóloga encontrou na literatura ricas descrições do ambiente. Na ficção, o local é lembrado em obras do modernismo: “me surpreendi com Tereza Batista Cansada de Guerra, personagem de Jorge Amado, que foi iniciada como prostituta no Beco dos Cocos”.

Na vida real, o memorialista sergipano Murilo Melins, descreve em sua obra a existência da Pensão da Marieta, que era a mais elegante e melhor frequentada. Possuía as melhores e mais caras damas da noite. Por lá trabalhavam Princesinha, Florzinha, Verdinha, Fuega, Helena Jabá, Arlete, Maura e a famosa Gilda. Essas damas, devido a discrição, eram muitas vezes confundidas com moças da sociedade e frequentavam o comércio das ruas João Pessoa e Laranjeiras e também os cinemas. O destaque também vai para o Cassino Bela Vista e o Dancing Xangai, que contava com uma decoração temática oriental.

Democrático, o Beco não era frequentado apenas por carregadores de coco, estivadores e outros trabalhadores braçais. Os cabarés também recebiam banqueiros, comerciantes e membros da elite sergipana. Entres os frequentadores mais ilustres estavam o ex-secretário de educação do estado Luis Antônio Barreto e o escritor Murilo Melins. “É uma característica que se preserva até hoje. Em Aracaju não se vê os ricos tão separados dos pobres. É claro que existe a segregação econômica, mas ainda é possível ver ricos e pobres frequentando os mesmos lugares,” ressalta a antropóloga.

Charme e elegância

A Boate Xangai era uma das mais suntuosas: a decoração oriental trazia ao local charme e elegância. No térreo, funcionava um cassino e no andar superior ficavam os quartos usados para a prostituição. O cassino Bela Vista ficava localizado na divisa com o Mercado Central e misturava o sexo fácil com os jogos de azar. Já consolidado como “complexo de meretrício”, as boates e prostíbulos ganhavam fama. O Luz Vermelha, Miramar, O Vaticano, Night and Day e o Fresca reuniam artistas, jornalistas, intelectuais e os mais variados segmentos da sociedade.

Além de funcionar como zona de prostibulo, os historiadores sergipanos Andreza e Dilton Maynard destacam em sua obra outra função do Beco dos Cocos: a de conter os estivadores para que não adentrassem na cidade em busca de sexo, bebidas e jogos. Desta forma, a gente do cais não se infiltrava entre a sociedade aracajuana. Ao analisar esta afirmação, a antropóloga vê uma animalização destes indivíduos indesejados: “Nos remete a um estado de barbárie, onde os tipos citados personificariam francos atiradores em linha de batalha, ou seja, bárbaros prestes a invadir o território de Aracaju, vencidos pelos encantos das prostitutas, que por sua vez, atuavam como heroínas, cuja função era proteger as moças de família do assédio violento desses selvagens, o que possibilitou a manutenção desse mercado sexual por algum tempo”, analisa.

O Centro Histórico de Aracaju, tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual, recebeu reformas em 1989, porém o Beco dos Cocos ficou fora das obras. Em 2009, com a ação da Semana do Trânsito, diversos artistas passaram dias no local e com sua arte deram vida novamente ao beco, o que não significou uma revitalização, mas melhorou o seu aspecto, o que possibilitou os eventos semanais da Sexta no Beco.

O Beco na atualidade

Com o tempo, até as cores dos grafites nas paredes começam a perder força. O cheiro no local dá a impressão de se estar em um banheiro a céu aberto. Hoje, o comércio é tímido, dos dezesseis espaços pra lojas existentes, apenas quatro funcionam. Jeferson França mantém no beco uma loja de fogos de artificio. O comércio funciona há mais de trinta anos no local e foi fundado pelo seu pai. Ele lembra a história do Beco e compara com os dias atuais: “antigamente tinha muita prostituição e bebidas, mas como os bares fecharam isso acabou. Mas muitos usuários de crack ainda permanecem por aqui,” diz o comerciante.

A arquitetura característica da época da fundação da cidade e as cores do grafite formam um contraste. A mistura do antigo com o moderno torna o Beco dos Cocos um lugar exótico e pitoresco. A fotógrafa aracajuana Verônica Dantas reconhece o valor visual do lugar. Ela o fotografou a primeira vez quando fazia um curso de fotografia digital na UFS, depois disso, volta ao local para registrar as mudanças ocorridas. Para ela, a cultura é a solução para o lugar: “Precisa ter mais investimento cultural, além de melhorar a infraestrutura para atrair os turistas”.

A influência do passado pesa sobre o presente do Beco dos Cocos. O local, outrora marginalizado, hoje, continua à margem. “Um beco é como um apêndice. Que não serve pra nada, só pra matar quando sutura”, finaliza Elayne que, ao decorrer do seu estudo, passou a ver o beco com outros olhos.

*Editor

**Bolsista

Fonte e foto: Comunicação/UFS”.

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