Os céus parecem conspirar contra as grandes estrelas musicais. Sim, claro que a afirmação é trombeteira, afinal, transporte mais seguro que o aéreo, segundo dados estatísticos, só mesmo o transporte por elevadores em grandes prédios. Mas acontece que desde um acidente aéreo ocorrido nos Estados Unidos, no dia 3 de fevereiro de 1959, que resultou na morte dos músicos Buddy Holly, Ritchie Valens e The Big Bopper, além do piloto Roger Peterson, que a tragédia ronda os ares em relação à música, principalmente. No Brasil, em 2 de março de 1996, o país parou, chocado, com a queda do avião que vitimou a banda Mamonas Assassinas no auge do sucesso. E neste 5 de novembro de 2021, infelizmente Marília Mendonça sucumbiu, junto com mais quatro pessoas, a um novo desastre aéreo. As perdas são lamentáveis, sob quaisquer aspectos, mas causam ainda mais comoção na legião de fãs dos artistas. Mas, em relação a Marília Mendonça, a coisa toda adquire uma profundidade absurda. Compositora desde os 12 anos, primeiro DVD gravado aos 20, mais ouvida nas plataformas musicais aos 22 e falecida aos 26, no auge de uma carreira diferenciada, Marília deixará órfãos os seus mais renhidos fãs e também a música popular brasileira, mas aquela popular mesmo, e não apenas aquela reconhecida sob a alcunha MPB. Aliás, mesmo que nesse momento de consternação muita gente que torcia o bico pra produção dela esteja sinceramente comovido, é preciso entender que o título de Rainha da Sofrência era, ao final e ao cabo, um rótulo para, como feito em outros tempos com o termo Brega, tratar com certa (in)diferença uma música feita para o gosto popular, sem maiores pretensões. Acontece que, no caso de Marília Mendonça, a sua vasta produção conseguiu romper barreiras inimagináveis até então. Vamos a algumas delas: empoderamento feminino é destaque em suas músicas. A mulher que sofre, sim, mas que também liga o botão do foda-se quando o seu amor é canalha e traidor; lugar de mulher é aonde ela quiser, seja no palco, fazendo sucesso, seja no boteco, enchendo a cara “cazamigas”, sem problema nenhum, ora pois; estética não supera o talento, mas tanto ela, Marília, como qualquer pessoa pode, sim, buscar ser feliz focando em mudar a própria compleição física e cuidando da saúde, sem problema nenhum e sem espaço para críticas; mas, do ponto de vista musical, a barreira rompida por Marília Mendonça demorará muito tempo para ser superada: em 14 anos de atividade, segundo o Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais), são 324 canções registradas no nome dela, e um total de 391 gravações (dela ou de outros artistas). Isso é música “pra mais de 200 anos” de produção, como os goianos gostam de falar. AndersonsBlog nunca foi um grande fã dela, confessa. Mas já curtiu algumas de suas canções e, em 2019, assistiu ao último show de Marília em Sergipe, na Arena de Eventos em Aracaju, quando, de forma muito fofa, ela cantava suas canções no show Todo Mundo Vai Sofrer, em 20 de julho de 2019, grávida e fazendo questão o tempo todo de deixar claro que as suas diatribes no placo estavam limitadas por conta da sua condição de futura mamãe de Léo, que nasceria em 16 de dezembro daquele ano. Naquele show específico, os parabéns foram cantados, visto que ela nasceu em 22 de julho. Assim, a perda trágica e prematura de Marília Mendonça, só mostrará, cada vez mais, que em relação a ela tudo sempre foi muito intenso, muito superlativo. E mesmo após a comoção atual, absolutamente normal diante de uma tragédia que vitima alguém tão jovem e com tanta coisa para realizar ainda, Marília Mendonça, pela grandiosidade meteórica de sua trajetória, seguirá comovendo. Afinal, não é todo dia que uma menina chega ao estrelado dizendo/cantando exatamente o que sente, de forma simples e direta, e consegue fazer com que milhões se identifiquem. Vai em paz, Marília Mendonça, pois sua passagem por essa terra seguramente não foi em vão.
Impossível não lembrar
Nesse momento, impossível não lembrar de outra tragédia aérea que vitimou uma estrela da música. Em 27 de maio de 2019, um monomotor que transportava o cantor Gabriel Diniz de Salvador/BA para Maceió/AL caiu em Porto do Mato, município de Estância, vitimando a ele e a mais dois ocupantes da aeronave. À época, AndersosnBlog estava secretariando a Comunicação estanciana. E a comoção foi absurda, pois o cantor já havia se apresentado na cidade e feito muito sucesso, anos antes. E para piorar ainda mais as coisas, a Salva Junina daquele ano estava marcada para 31 de maio, data tradicional da abertura dos festejos estancianos. Aí, leitor e leitora, logo teve quem usasse de artimanhas politiqueiras para tentar melar a festa por conta do acidente, com sugestões, nas redes sociais, até para que o prefeito Gilson Andrade (PSD) cancelasse a festa. Lógico que todos estavam atônitos, preocupados e chocados, como acontece em todo acidente fatal. Mas Gilson foi firme, manteve a festa e, salvo engano, o radialista e braço direito de Gilson, Hewerton Ribeiro, teve uma ideia incrivelmente simples e redentora. Caberia à Salva Junina prestar uma homenagem digna do sucesso que Gabriel Diniz havia alcançado com o hit Jenifer. E não deu outra: na data prevista, sobe ao palco do Forródromo de Estância o cantor Mano Walter, que era amigo de Gabriel, e faz um show emocionante, inesquecível e marcante, sendo que aquela Salva acabou considerada por muita gente como a maior Salva de todos os tempos. Assim, Gabriel Diniz, de onde estivesse, abençoou a festa, pois ela é a razão de ser de todo artista. Marília Mendonça, de onde estiver, também há de abençoar quem vive desse tão importante segmento e quem se diverte com o trabalho árduo de tanta gente. Amém!
1 Comentário
José Ribeiro Filho
Parabéns pelo texto forjado no calor das emoções, pelo impacto do grave acidente que vitimou a cantora Marília Mendonça. Anderson contextualiza com argumentos sólidos a produção musical de Marília e, a importância de sua poesia simples, mas com um conteúdo de mensagem, bastante significativo para a construção de um ethos feminino forte e consciente de seu poder, frente ao ambiente machista que herdamos do patriarcado colonial. Parabéns Andersonblog pelo resgate dos valores, da contribuição, e importância de Marília Mendonça no cancioneiro popular da música brasileira.