As entrevistas publicadas pelo Sabadão com Cláudio Nunes têm sido leituras obrigatórias aqui pro AnderSonsBlog. Mas a deste sábado, 9, foi simplesmente espetacular (leia a versão original AQUI)!
A ativista social Fátima Mara, que deu o start na luta pela manutenção do Parque de Exposições Nicolau Almeida como um patrimônio histórico, cultural e público lagartense, simplesmente faz um diagnóstico perfeito sobre a atual situação de Lagarto.
E como lagartense, AnderSonsBlog não pode deixar de dividir essa excelente leitura com você, leitor e leitora.
Mas, antes, um adendo: Fátima Mara foi quem de fato iniciou essa luta e a casa aqui é prova disso, pois foi a partir dela com um microfone na mão, uma ideia na cabeça e muita disposição numas segunda-feira de Feira de Lagarto, que AnderSonsBlog se inteirou do problema, comprou-o também, assim como muita gente boa também fez em seguida.
Por isso que essa entrevista é essencial pra gente entender que quando há mobilização, as transformações são possíveis. Aliás, são muito possíveis, viu? Boa leitura!
““O envolvimento da Maratá nesta negociata é um equívoco”, Fátima Mara
Por Cláudio Nunes
No Sabadão com Cláudio Nunes entrevista Fátima Mara, ativista social, que tem diversas lutas em defesa da mulher, da sororidade e igualdade de gênero e vem liderando a luta em defesa da manutenção do Parque de Exposições, Nicolau Almeida, em Lagarto, como espaço público. Na entrevista, ela destaca o abaixo assinado (onde foram coletadas mais de mil assinaturas entre virtuais e presenciais), e a importância do Parque para a cultura, o lazer e o comércio local, como também o papel do MP, através do promotor Adson, que vem seguindo a lei e os anseios da população.
Cláudio Nunes – Como e quando surge a ideia de fazer um protesto contra a concessão ou a entrega para a iniciativa privada do Parque de Exposições Nicolau Almeida por parte da prefeitura?
Fatima Mara – Na tarde do dia 29 de julho de 2023, um sábado, recebi uma mensagem no WhatsApp que dizia que naquele momento o marido da prefeita, o Deputado Federal Gustinho Ribeiro estava reunido com ela e seus vereadores, acertando os últimos detalhes da entrega da nossa Exposição para a iniciativa privada, no caso, o grupo Maratá. Diante desta informação (provavelmente vazada por algum dos presentes) tratei de chamar as pessoas pra fazer um protesto na segunda -feira, no meio das feira, alertando à população quanto ao golpe que estava para ser impetrado logo na volta do recesso dos vereadores, em regime de urgência e sem conhecimento e prévia autorização do povo, que é a máxima autoridade dentro do nosso país, segundo a nossa Constituição Federal, que diz que “todo poder emana do povo…” Assim, tratei de deixar bem claro no único grupo de WhatsApp que eu participo, uma mensagem forte de luta pra tentar despertar a população pra este absurdo. De imediato algumas pessoas concordaram, e marcamos de nos encontrar na feira livre com o compromisso de alertar o povo quanto a este golpe terrível que estava em vias de acontecer.
CN – Em algum momento dessa luta, entre o início dos protestos contra a privatização e a decisão judicial pela ilegalidade da votação, você se sentiu ameaçada de alguma forma? Se sim, por quem?
FM – Mais virtualmente do que presencialmente. Aqui, em Lagarto, a prefeitura mantém mais de 500 funcionários (segundo Anderson “Docinho” ex-funcionário da gestão) que atendem à milícia digital e são pagos pra intimidar, perseguir e violentar psicologicamente todos que discordam da gestão. Obviamente que isso é perceptível, porque os principais milicianos digitais nunca estão em seus setores de trabalho, enquanto intimidam mulheres nos grupos de WhatsApp, sendo assim funcionários fantasmas. E isso tem afetado a saúde física e mental de muitas mulheres lagartenses. A minha saúde mental, eu particularmente, mantenho estando distante de grupos de WhatsApp que são cúmplices dessa intimidação. E espero que em algum momento, a justiça puna esses milicianos digitais e os administradores dos grupos de WhatsApp que são cúmplices no assédio moral ininterrupto contra quem é da oposição.
CN – Sua ida ao Ministério Público para denunciar as possíveis irregularidades do projeto de concessão se deu mesmo antes do projeto ser apresentado. Como vê o papel do MP/SE nesse caso?
FM – Fundamental. Dr. Adson foi e é de uma postura absolutamente correta, e muito coerente com a lei e as necessidades do povo. E sabe porque digo isso? Porque junto com o abaixo assinado (onde foram coletadas mais de mil assinaturas entre virtuais e presenciais), encaminhamos uma “carta” resumindo a importância do Parque de Exposições para a Cultura, lazer, comércio (a exemplo da feira dos pecuaristas que ocorre ali semanalmente), e social por causa da Equoterapia, onde crianças com fibromialgia e necessidades especiais precisam daquele espaço para tratamento. Nesta carta imploramos ao MP que tomasse as devidas providências para impedir a negociata, e obrigasse a prefeitura a revitalizar o Parque, e devolvê-lo à população em plenas condições de uso. Até o momento o promotor Adson tem seguido a lei e os anseios da população à risca, e somos imensamente gratos a ele por isso.
CN – Pra você, que é uma ativista social e tem lutas em defesa da mulher, da sororidade e igualdade de gênero, chega a ser decepcionante ver que foi uma mulher no comando da prefeitura que tentou entregar um patrimônio histórico e cultural do município para a iniciativa privada?
FM – É uma sensação terrível de derrota, porque Lagarto tem uma prefeita que se submete e compactua com o marido, sem jamais questionar as posturas autoritárias dele. Hilda Ribeiro é alguém que em tudo pede autorização a ele para agir, colocando uma luta centenária por equidade de gênero na vala, desrespeitando mulheres que deram a vida para que hoje pudéssemos ocupar posições de poder, a exemplo das sufragistas (nas conquistas do voto feminino), e mais recentemente Marielle Franco, que foi morta por não aceitar ser silenciada pelo patriarcado. Ter uma prefeita MULHER, que defende e usa posturas completamente machistas é sim uma derrota política, não de um partido, mas de toda a população lagartense, e em especial nós mulheres que em vez de termos uma representante do sagrado feminino na prefeitura, temos uma cria do patriarcado usando valores que só humilham a nós mulheres. Enfim, é muito triste ter uma mulher no poder, e não poder nos orgulhar disso.
CN – Diante da fatídica sessão onde por maioria de doze votos os vereadores aprovaram a permuta, enquanto mães atípicas choravam em desespero por medo de perder a exposição, qual o fato mais triste de toda essa situação?
FM – Sem dúvidas foi o sorriso de escárnio da prefeita Hilda minutos após o fim da sessão, em um vídeo onde agradecia aos vereadores o apoio à negociata. Logo ela, mulher, mãe… Como pôde demonstrar tanto desprezo pela dor das mães que tinham acabado de perder o único espaço de acolhimento para seus filhos com necessidades especiais? Neste momento Hilda se comportou como o que há de pior na sociedade atual: o macho escr*to. Jamais vamos esquecer isso.
CN – Há uma corrente de opinião pública que considera um desgaste desnecessário ao Grupo Maratá ter seu nome envolvido nessa situação toda. Como Fátima Mara enxerga a participação do grupo empresarial nesse episódio do Parque de Exposições?
FM – O Maratá e José Augusto Vieira são as figuras mais importantes no campo empresarial lagartense, e a história de Zé Augusto que começou “de baixo” e hoje tem um grupo empresarial entre os mais importantes do país, é uma referência e inspiração para quem hoje “não tem nada” e sabe que é possível vencer trabalhando. Graças a exemplos como Zé Augusto, Zezé Rocha, João de Solinha, Edilamar (Loja Habyto ) dentre outros, o lagartense mais humilde sabe que é possível vencer pelo próprio esforço. O envolvimento do Maratá nesta negociata é um equívoco que precisa ser corrigido, até porque é de conhecimento geral que Zé Augusto jamais procurou a prefeitura, mas foi sim importunado pela ganância do deputado e sua esposa, a prefeita Hilda. E diante de um negócio bom para a própria empresa quem se negaria a fazê-lo? O Maratá, Zé Augusto e família tem nome e conduta ilibada, e não merecem ser envolvidos em um projeto obscuro, cheio de falhas e absolutamente criminoso do ponto de vista jurídico, administrativo e moral. Crime este que teve a participação decisiva de doze dos nossos dezessete vereadores, lamentavelmente.
CN – Como você analisa a participação de lideranças políticas tradicionais de Lagarto nessa luta pela preservação da memória e do patrimônio público?
FM – Xoxa, manca, capenga… Infelizmente é isso. Porque até que acreditassem na gente, foi uma travessia longa… Políticos, blogueiros, jornalistas (exceto Anderson Christian, que segurou a minha mão desde o primeiro protesto na feira), foram forçados pela pressão popular (e mais recentemente pelas decisões judiciais a nosso favor) a se engajarem. Quem esteve conosco no dia UM DO MOVIMENTO, digamos assim, foi Josivaldo, Bizan (que à época não era da situação) e Cabo Zé, presencialmente. A Marta ligou pra Josivaldo nos apoiando “virtualmente.” Passado algum tempo, o ex prefeito Valmir também entrou na luta nos cedendo espaço na rádio. Fico triste em saber que Lagarto ainda está num tempo em que não posso revelar os nomes de outras autoridades e pessoas do povo que estão na luta de forma oculta, por medo de represálias por parte da prefeitura, o que coloca Lagarto no atraso do tempo dos coronéis. Mas este mesmo tempo é senhor da razão, e um dia vai me permitir gritar pra todo mundo ouvir, o nome de cada um que segurou a nossa mão, e a do povo de Lagarto, da maneira mais firme e linda que já senti. O lado triste disso é ver vereador que acabou de chegar na Câmara já começar a imitar Gustinho, Ibrain e etc, querendo alçar voos maiores enquanto ainda não mostrou serviço como vereador, a exemplo de Matheus Correia que mal sentou na cadeira e já quer ser prefeito. Esse vício político de fazer 0,000001% do que deveria e se achar apto a cargos maiores é algo que tem prejudicado Lagarto há décadas e que precisa acabar. Na minha visão, e pela visão do povo, os cinco vereadores que não foram traidores (Marta, Matheus, Josivaldo, Washington e Marcelo), tem a oportunidade de neste fim de mandato colocarem seus projetos na mesa pra forçar os vereadores traidores a aprovar, visto que, dos dezessete, doze traíram o povo, e precisam correr atrás da própria reputação irremediavelmente manchada pela sessão em que traíram o povo para atender aos desejos do coronel e sua prefeita.
CN – O fato da Câmara de Lagarto ter só uma mulher e ela ter sido uma das vozes mais ativas contra esse projeto é sintomático? Está na hora de mais mulheres entrarem na política lagartense e ocuparem mais cadeiras no legislativo municipal?
FM – Sintomático é pouco! A misoginia naquele ambiente é gritante! Marta como forte que é, se mostrou do nosso lado todo o tempo, entretanto, não consegue ler uma ata sequer tendo silêncio respeitoso de seus pares, que conversam sem parar, colocando-a como alguém invisível naquele recinto. A sineta do presidente só toca pra calar a boca de pessoas do povo, mas a misoginia de seus pares, o presidente, vulgo, dono da Câmara apoia incondicionalmente. E quem duvidar que procure as sessões no YouTube e veja com seus próprios olhos. Nunca vi um homem ali segurando uma bandeja pra servir cafezinho, só mulheres… Isso é um exemplo clássico que como aquela casa trata a parte feminina naquele ambiente.
CN – Após todo esse episódio, toda essa luta, seu nome passou a ser ventilado com muita intensidade como uma possível candidata nas eleições do ano que vem. Você pensa nisso e já avaliou essa possibilidade seriamente?
FM – Não vou usar do oportunismo de certas figuras que nada fizeram pela causa e hoje já falam em “nova corrente política lagartense” num claro exemplo de que têm os mesmos vícios das “velhas correntes”, numa clara intenção de fazer mais do mesmo, apenas com uma aparência diferente, sendo na essência a velha política oportunista. É gritante a necessidade de maior diversidade não só dentro da Câmara de Lagarto, mas em todos os espaços de poder em nosso município. Basta de mulher pra cumprir cota! Nós queremos, merecemos e exigimos espaços que nos acolham com respeito, e façam valer as nossas bandeiras com o mesmo afinco que tratam os valores ultrapassados do patriarcado. E tenho dito“.