VALE LEITURA – Jornalista Elton Coelho levanta o debate sobre uma tradição secular, nordestina raiz: as quadrilhas juninas

O jornalista Elton Coelho é um entusiasta de uma manifestação cultural muito porreta: as quadrilhas juninas. E este AndersonsBlog não faz a menor cerimônia em pegar emprestado um texto dele, originalmente publicado no JL Política, do jornalista Jozailto Lima, justamente pela importância do que Elton traz à baila: a necessária renovação, rejuvenescimento dos brincantes, dos quadrilheiros e quadrilheiras desse nosso Sergipe que, sendo o País do Forró, não pode nem sequer imaginar o fim das quadrilhas juninas como representação cultural de alto nível apenas porque os dançarinos e dançarinas, assim como este AndersonsBlog – que já brincou muito na saudosa Xamego Bom, de Lagarto –, estão envelhecendo, né não? Ao texto de Elton, leitor e leitora!

Será o começo do fim das quadrilhas juninas em Sergipe?

Elton Coelho*

Sergipe, todos sabem, é um Estado tipicamente junino e que leva muito a sério essa comemoração nordestina, seja marcado pelas tradições do seu povo ou pelo enraizamento cultural adquirido ao longo de séculos.

Não é de se estranhar que dos 75 municípios existentes, boa parte deles comemore efusivamente o festejo, incentivem seus munícipes a fazê-lo de forma espontânea e ou pela participação do poder público, acendendo as fogueiras originais das tradições e as vivências populares.

Não raro também é de se notar e presenciar que, de modo a unir famílias e amigos, constatamos igualmente as iniciativas de populares que mantêm o costume de enfeitar ruas, acender fogueiras, com ou sem o trio pé-de-serra, mas sempre embalado ao som do forró, para comemorar aquilo que consideramos, para nós nordestinos, o nosso segundo Natal: ou seja, as festas do ciclo junino, a começar por São José – 19 de março -, Santo Antônio – 13 de junho – São João – 23 e 24 de junho – e São Pedro – 29 de junho -, que juntam gente e famílias no mesmo tom de 24 e 25 dezembro – as festas de fim de ano.

Além deste aspecto singular e particular da nossa identidade cultural com o ciclo junino, uma manifestação em especial que se tornou um símbolo secular foram as quadrilhas juninas sergipanas, sendo que uma das mais antigas é datada de 1º de março de 1964, a Quadrilha Século XX, fundada por seu Francisco Bispo, do bairro Industrial, com 58 anos de existência.

Abro um parêntese para dizer que, apesar de estar na ativa mesmo após a pandemia, a Século XX, hoje sob o comando do marcador Joel Reis, tem dificuldades de continuar o trabalho pelas razões que aqui exponho.

Tal qual a Século XX, pasmem, apenas outras três quadrilhas em Aracaju iniciaram em 2021/22 os preparativos para se apresentar nos festejos deste ano. São elas: Unidos em Asa Branca, Assum Preto e Xodó da Vila, essa última vem tentando fazer brincar sua representação mirim, contudo eivada de enormes contratempos.

Necessário se faz registrar que o celeiro cultural de quadrilhas juninas na capital sergipana já foi palco de grandes nomes e representações, tais como Unidos em São João, Forrobodó, Maracangaia – primeira  campeã sergipana do concurso Rede Globo -, Chapéu de Couro – bi-campeã da Rede Manchete e tentando se reerguer este ano -, Apaga Fogueira, Forró da Maranhão, Baila Conosco, Arrastapé, Asa Branca, Mocotó, Kokotinha, Carcará, São João de Deus – cinquentenária -, Som Brasil, Acauã, Lampião e Pioneiros da Roça, sem esquecer de tantas outras que deram suas contribuições à cultura junina.

O grande dilema é: por que de tantas organizações juninas, apenas em Aracaju e algumas no interior, estão sobrevivendo, e até quando? Preocupa-me muito, como ex-quadrilheiro, presidente e brincante da Maracangaia, ver que se não houver uma renovação na base das manifestações desse tipo de “brincadeira séria” nas escolas, nos bairros, nos municípios, Sergipe está por amargar, daqui seis ou dez anos, a quase inexistência de quadrilhas juninas.

Em razão de que, além de não ocorrer a necessária renovação e chamamento dos meninos, meninas e jovens a esta dança, também os atuais organizadores, já esgotando seus tempos de ação, juventude e idade, vão sucumbindo pelas razões naturais da vida, sem que haja continuidade dos seus projetos. Também o mundo globalizado, que aproximou os jovens de tantas outras manifestações que não as quadrilhas, contribui para este afastamento, porém isso é assunto para outro artigo.

Cito que no interior do Estado, de umas 60 que existiam em plena atividade nas décadas de 80, 90 e 2000, hoje sobrevivem ainda grupos juninos de Socorro – Encanto do Matuto -, Ribeirópolis – Retirantes do Sertão -, Riachuelo – Meu Sertão -, Maruim – Rala -, Aquidabã -Balanço do Nordeste -, Itabaiana – Balança Mais Não Cai -, Tobias Barreto – Meu Xamêgo -, Capela – Amor Caipira -, Estância – Todos Em Asa Branca -, Carmópolis – Massacará -, Japaratuba – Cangaceiros da Boa -, além de outros municípios como os tradicionais de Itaporanga, Umbaúba, Cristinápolis, que sempre mantiveram ativas suas representações.

Estima-se que atualmente existam de 35 a 40 quadrilhas inscritas nas Ligas e ou Associações de quadrilheiros, porém nada garante a presença delas nos concursos, arraiás ou palcos montados para apresentações. Tamanha há a dificuldade de encontrar componentes incentivados à dança, aos estilos que se propagam – tradicional, em maior dificuldade -, estilizada – em evidência com traços de coreografias carnavalescas e ou ritmadas freneticamente -, ou mesmo pela falta de adesão de novos componentes aos quadros das quadrilhas juninas, que também sofreram nos últimos dois anos pelos efeitos danosos da pandemia, proibidos que foram de realizar ensaios, apresentações e ou similares.

Sobraram as “lives”, porém fora do contexto cultural que domina esse tipo de dança, caracterizados pela presença física de no mínimo 48 pessoas – marcadores, damas, cavalheiros, noivos, rainhas, princesas -, e aquelas organizações que conseguiram ainda arrancar algum dinheiro da Lei Aldir Blanc pra continuar se sustentando.

Urge que o poder público cultural, as Associações de Quadrilhas, organismos e entidades culturais levem às escolas, aos bairros, aos municípios a necessidade de incentivar e criar quadrilhas juninas mirins e ou adolescentes, com o chamamento de pessoas com experiências, quadrilheiros para se tornarem tutores, professores, marcadores, repassadores dessa cultura, de modo que a escassez em que vivemos agora não se torne uma realidade mortal às nossas maravilhosas quadrilhas juninas, que sempre foram referência no Nordeste, sendo, por anos e anos, copiadas pelos nossos irmãos dos demais Estados nordestinos e brasileiro.

*Elton Coelho é jornalista, professor de História e pós-graduado em Planejamento e Gestão em Turismo.”

 

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