O Promotor de Justiça Peterson Almeida Barbosa tem texto leve e fluido na forma, mas incisivo e contundente no conteúdo. E por isso mesmo que AndersonsBlog se apropria de uma produção de sua lavra, intitulada O “Terceiro Turno” das Eleições, publicado anteriormente no Correio de Sergipe e no Blog do Cláudio Nunes, para convidar você, leitor e leitora, a um mergulho num tema tão quente, tão do momento, como é a Justiça Eleitoral e suas decisões – não há acaso aqui, viu? Há um fato: o pré ao governo de Sergipe mais bem colocado nas pesquisas, líder nelas, pode ser impedido de participar das Eleições 22 por uma decisão da Justiça… Eleitoral! Mas, para passar longe de reprováveis maniqueísmos, nada como se abastecer de informações qualificadas, como as apresentadas por Peterson, para a formação de um juízo de valor também qualificado. Bora ler? Boa leitura!
“O “Terceiro Turno” das Eleições
Peterson Almeida Barbosa*
Sempre que se avizinha a data designada para a sessão de julgamento de qualquer Tribunal Eleitoral, a “rádio povo” tenta sintonizar a frequência daquela Corte para, de maneira maldosa e desfundada especular, desde a razão pela qual fora pautada para aquele dia até, por óbvio, sobre qual seria o voto do eminente relator, quando não já adivinhando o placar; fala-se até numa lenda urbana de repetidos seis a um … e se há uma derrotada neste contexto, esta é a nossa tão ultimamente combalida democracia, a qual, doente, precisa ser tratada, senão vamos aos números:
– Da redemocratização para cá tivemos dois processos de impeachment de Presidentes da República;
– Entre os anos de 2000 e 2007, nada mais nada menos que 623 detentores de mandatos eletivos foram cassados, sendo 4 governadores e vice-governadores. Registre-se ainda que, nas quatro últimas eleições, foram registrados processos de cassação nos 26 Estados da Federação, além do Distrito Federal, segundo dados do M.C.C.E. – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral;
– Já entre 2012 e 2016, o Brasil teve um Prefeito retirado do cargo a cada 8 dias, em 5% de nossos municípios tivemos um “terceiro turno” por conseguinte, com novas 279 eleições naquele período.
Não bastassem estes assombrosos números, 1/3 dos atuais membros do Congresso Nacional são réus em ações de improbidade administrativa, sendo 160 deputados federais e 38 senadores.
E como conceber 32 ideologias políticas?, já que é este o número de partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, e há tantos outros pendentes de registro, inclusive um certo Partido Corinthiano Brasileiro?!
“Tudo isto é fado, tudo isto é muito triste”, como diriam nossos patrícios, e faz-se premente, portanto, além de mais consciência política de nosso povo, uma ampla e profunda reforma política. Inegável que movimentos legislativos alvissareiros tem sido observados, em que pese tímidos, como, por exemplo, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a cláusula de desempenho, as novéis federações partidárias, mudanças que são muito bem-vindas, eis que com o fito de fortalecer os programas e a fidelidade partidária, colocando à debalde as mal sinadas práticas fisiologistas.
D´outra banda, alguns pontos na legislação eleitoral são passíveis de crítica, a meu pesar, como, v.g., auditagens por demasiado naquilo que o que candidato pode e quando deve dizer regulando, na margem oposta, aquilo que o eleitor pode ouvir.
Diante deste cenário assaz tenebroso, o Judiciário, mormente o Eleitoral, cada vez mais tem sido instado a intervir, porém, é preciso que os doutos magistrados também deem o seu contributo para a mudança neste estado de coisas, conhecendo e respeitando os contornos desta ingerência, atuando sempre nos flancos, e apenas e tão somente “colaborando” no processo de formação da vontade popular, sabido que não há democracia sem voto, sem eleitor, não sendo a Justiça Eleitoral um votante privilegiado.
A arena política é o locus natural, adequado e legítimo para os players pelejarem pelos sufrágios de seus eleitores sempre orientados pela normalidade e legitimidade que deve reger todo o processo eleitoral. Ambientados neste quadrante é que aqueles que fazem o Judiciário Eleitoral devem vagar, dosando a mão para nem julgar o eleitor como alguém vulnerável, infantilizado ou que careça de uma espécie de curatela, nem tampouco criminalizar o político; e, mais importante, cientes que o protagonista de todo este processo é o primeiro.
A regra deve ser esta; evidente, no entanto, que em situações nas quais a legislação for mal ferida, como sói ocorrer por práticas abusivas de quaisquer dos disputantes, o Judiciário não só pode como deve ser acionado; quem ganha ou perde numa eleição é a Justiça quando não é feita, é a soberania popular quando numericamente manifestada nas urnas passa a ser utópica, contudo, que esta seja uma exceção, tendo-se em mente que a vontade popular deve ser sempre respeitada, e apenas incomumente contrariada, para o bem de nossa democracia participativa.
Insisto no império da lei, e longe de mim criticar as decisões justas e imparciais de nossos magistrados, todavia, uma eventual judicialização das eleições faz pairar o fantasma do ativismo judicial, e causa arrepios pensar que possamos nos fazer de rogados ao silêncio ensurdecedor que ecoa das urnas.
A festejada Lei de Ficha Limpa promoveu importante alteração legislativa ao passar a exigir não mais a proporcionalidade senão a gravidade da conduta, a qual, doravante, passou a importar mais que o resultado. A questão processual foi, destarte, resolvida, mas não tornou menos excepcional a desconstituição do resultado do pleito, que deve passar ao largo de excessivos moralismos eleitorais.
Gravidade é antônimo de bagatela, de sorte que o número de cidadãos atingidos deve ser levado em conta em comparação com o contingente, além, de certo, o quociente eleitoral exigido para a eleição, ou, ainda, a diferença de votos entre os colocados nas eleições majoritárias.
Cassações de mandato devem ser a ultima ratio, anular eleições não pode ser algo banal, a democracia infere que a vontade da maioria tenha prevalência, governos são escolhidos pelo povo não por juízes contra majoritariamente insultando a sacrossanta soberania popular, “ao argumento retórico e fictício de preservá-la”, nas precisas palavras de Ruy Espíndola.
Ao Judiciário Eleitoral deve caber máxima cautela, autocontenção para atuar neste campo que deve ser sempre simétrico e nada inclinado; é saber que a democracia exige dele que não invada o espaço da política. É sofismático imaginar que um sistema de justiça eficaz ou que proteja valores constitucionais-eleitorais tenha por régua o número de candidatos que torna inelegíveis.
Os organismos de governança eleitoral verdadeiramente triunfarão “quando passem a enfrentar a metade dos processos com pedidos impugnativos que, atualmente, inundam os vastos espaços dos seus escaninhos”, nas ordinariamente lúcidas palavras do mestre Frederico Alvim.
Que chegue logo o dia em que não mais tenhamos “terceiro turno” em nossos pleitos, que a população se desintonize do Judiciário Eleitoral com a certeza que a sua vontade livre e desimpedida prevaleceu, para a salvaguarda de nossa democracia.
Que assim seja!
*é Promotor de Justiça, Mestre em Direitos Humanos, Especialista em Direito Eleitoral, Coordenador de Direito Eleitoral da Escola Superior do MP-SE, membro da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política, autor de livros e artigos jurídicos. Contato: petersonab@hotmail.com“.