Leitor e leitora: existem temas que, por serem desconhecidos, passam batidos. Mas quando se lança luz sobre eles, aí ninguém segura! É o que se pode dizer sobre a ação judicial movida pela Aseopp contra as Associações Pró-Moradia. Em verdade, AnderSonsBlog tomou conhecimento a partir de uma entrevista que leu em JL Política (veja AQUI). De lá para cá o assunto não saiu mais nem da cabeça deste jornalista – que considera desproporcional essa investida judicial – e nem, pelo jeito, de boa parte nossa mídia. Aí, pra entender mais e melhor o assunto. VALE LEITURA do artigo a seguir, da lavra do empresário David Barreto, sócio da Construtora Santa Maria. Boa leitura!
“ASEOPP X OBRAS ASSOCIATIVAS – O INTERESSE POR TRÁS DA NARRATIVA
David Barreto*
Uma das características da modernidade é a fácil e rápida propagação de informações. Algumas vezes verídicas, outras vezes não. Assim, se estivermos interessados em determinado assunto, é extremamente necessário beber de outra fonte, checar o autor, os interesses por trás do texto e aí por diante.
Neste contexto, me deparei com uma entrevista em que o advogado Pedro Celestino, representando um grupo seleto de incorporadores da ASEOPP, traça um panorama hediondo acerca das obras associativas alegando, em apertada síntese, problemas relacionados a falta de responsabilidade das administradoras, a economia popular e a salubridade pública.
Apesar de particularmente achar infeliz o enfoque dado, o debate traz benefícios à matéria, afinal toda moeda tem dois lados. Cara e coroa. E aqui vão os fatos que embasam a minha versão da história.
Mas primeiro preciso me apresentar: me chamo David Sampaio Barretto e sou membro de uma família que há mais de 35 anos possui como principal atividade econômica o ramo imobiliário. E dentro deste ramo, exercemos incorporações imobiliárias, obras associativas, locações comerciais e multipropriedade.
Trago estas informações tão somente a fim de legitimar meu conhecimento do setor imobiliário e para firmar uma posição isenta acerca da suposta disputa entre incorporações imobiliárias versus obras associativas.
Com efeito, Sergipe é um estado pequeno. Geograficamente pequeno, economicamente pequeno. E comandado historicamente por grupos com mentalidades assustadoramente pequenas e egoístas. E um grupo em particular está bastante incomodado com as obras associativas.
E como o grupo está acostumado a comandar e não gosta de perder uma nesga sequer do seu espaço, a medida que ele vem tomando é a de tentar erradicar este modelo construtivo da existência em Sergipe. Arrancar ervas daninhas, como menciona a reportagem.
Curioso usarem o termo “erva daninha” para descrever o modelo associativo, já que uma erva daninha é uma planta de caráter silvestre que cresce em áreas controladas pelos humanos como hortas ou jardins e cuja presença é indesejada. E apesar de estarem associadas a aspectos negativos, tais plantas apresentam algumas vantagens, como, por exemplo, a regeneração da biodiversidade.
Nas florestas, nas matas, nas reservas legais, enfim, nas áreas livres, todas as plantas são somente isto: plantas. Cada uma com suas peculiaridades e funções. Já nas pastagens controladas, tudo que não for exatamente o que se plantou, é invasor. Então, em última instância, uma erva só é daninha ao monocultor.
Gostaria de estar enganado, mas, para mim, monocultura e monocultor, de preferência latifundiário, é o desejo mais ardente de parte da diretoria da ASEOPP. Tudo o que não estiver sob o seu manto e todo aquele que não participe do seu reduto, é danoso, é invasor.
Mas querer arrebanhar o mercado só para si não é, digamos assim, uma intenção popularmente simpática. Então a ASEOPP, sob uma pele de cordeiro, à pretexto de tutelar interesses coletivos, coloca um advogado a dar uma entrevista enviesada ressaltando pontos que entende negativos de forma leviana e, com isto, desinformando a população.
À título de exemplo, em um dos pontos da entrevista é trazida a seguinte passagem: “Aqui em Sergipe a gente tem três empreendedores recorrentes, com vários empreendimentos em andamento. Alguns deles ligados à construção civil. E isso é curioso, porque você tem empreendimento aqui em Sergipe que, em menos de um quilômetro de distância, a mesma empresa lançou um por incorporação imobiliária e outro por via da Associação. Existe uma explicação para isso – que é o que a gente vem colocando: que é para não assumir as responsabilidades legais do mercado e não recolher os impostos.”
Dando nome aos bois, como se diz por aí, a empresa que lançou uma incorporação imobiliária a menos de um quilômetro de uma associação foi a Construtora Santa Maria Ltda. E a obra associativa em questão é administrada pela Essenza Empreendimentos Imobiliários Ltda. Ambas as empresas pertencentes aos mesmos sócios e das quais eu faço parte.
E para não estressar o embate, ficando apenas na superficialidade dos argumentos sempre trazidos pelo interlocutor da ASEOPP, tenho cinco perguntas ao entrevistado:
(i) Você, Pedro, realmente sabe quais são os nossos motivos? Porque se souber entramos no campo da espionagem industrial.
(ii) Está propondo um critério espacial, Pedro? Porque se assim for e o poder público se compadecer de tão desarrazoado critério, a que distância tenho que manter uma obra da outra? Dois quilômetros? Cinco quilômetros, talvez.
(iii) Somos obrigados, Pedro, a fazer apenas as operações tributariamente mais onerosas? Como advogado e mestre em direito tributário sinceramente desconhecia tal obrigação legal.
(iv) Você, Pedro, já fez o cotejo entre a quantidade de processos em que apenas uma das empresas da diretoria da ASEOPP é ré e a quantidade de processos em que uma das empresas administradoras de obras associativas figura no mesmo polo? Se eu não me engano, é mais de 1.000 para 1. Ou seja, a cada 1.000 processos contra este tradicional incorporador, há 1 processo contra as administradoras de obras associativas. Algo estranho, não?
(v) Com a mão direita sobre a Bíblia, Pedro, em juramento, você é capaz de afirmar que defende os interesses da população em geral ou apenas do pequeno grupo que representa?
Na medida que dirige sua fala ao público em geral, você, Pedro, deveria ser mais prudente, ou pelo menos mais responsável, em suas colocações. Melhore seu discurso, eis que sua retórica não influencia nem aqueles ao seu redor, já que possui tantos próximos participantes de obras associativas.
No mais, Pedro, suas preocupações, se altruístas, não possuem finalidade prática, eis o baixo, para não dizer irrelevante, nível de problemas que as associações trazem aos seus participantes. E se trouxer, não se preocupe que o Poder Judiciário solucionará o caso concreto e responsabilizará quem achar devido. Não é preciso de você.
Ao invés de gastar tempo em tão irrisório “problema”, você deveria empregar energia melhorando as práticas do seu contratante. Este sim seria um serviço de grande relevância social eis que no mínimo deixaria inúmeros clientes satisfeitos e desafogaria o Judiciário com tantos processos.
Como disse, Sergipe é um estado pequeno. Geograficamente pequeno, economicamente pequeno. E comandado historicamente por grupos com mentalidades assustadoramente pequenas e egoístas, grupos que, por sinal, você vem representando com afinco.
A diversidade é benéfica, Pedro. Ter mais de uma opção para adquirir sua moradia, é bacana. Deixe o público escolher. Não cabe a ASEOPP “higienizar” o mercado, deixando apenas a opção que lhe convém. Isto não é certo, isto não é democrático.
Toda moeda tem dois lados. Cara e coroa. E eu, David, estou de cara limpa mostrando ao público quais são os fatos e interesses por trás da sua entrevista. Logo abaixo, aos interessados, mostro também as características dos dois modelos de construção para que o cidadão possa fazer, conscientemente, sua escolha. Você, Pedro, apenas representa a coroa que, incomodada, quer manter seu status de soberano absoluto monocultor.
COMPARANDO OS DOIS MODELOS DE CONSTRUÇÃO
Quer conhecer mais sobre os dois modelos de construção? Vamos lá…
Nas incorporações imobiliárias o empresário compra um terreno, desenha um empreendimento e submete-o à adesão do mercado. Se seu produto estiver adequadamente encaixado às expectativas do público, as vendas são feitas, a incorporação segue adiante e depois de algum tempo o produto é entregue de acordo com as especificações do contrato.
Por outro lado, nas obras associativas, um grupo de pessoas se une, cria uma associação, localiza um terreno, desenha um projeto, contrata uma construtora ou uma administradora profissional para a realização da obra e, uma vez conseguido o caixa suficiente para bancar a empreitada, segue adiante até a conclusão do empreendimento.
No final, ambas as modalidades vão entregar ao interessado um imóvel. No entanto, o caminho seguido por cada uma é diferente e, portanto, possuem regramentos diferentes.
A incorporação imobiliária, pelo volume de negócios e pela importância que tem, possui um vasto arcabouço jurídico a tutelar os interesses tanto dos adquirentes quanto dos incorporadores. A obra associativa, pelo pequeno tamanho que representa no mercado imobiliário, possui uma legislação mais genérica.
Na incorporação imobiliária, via de regra, o sujeito paga um percentual do imóvel ao incorporador durante a execução da obra e, com a entrega das chaves, vai ao banco financiar o saldo restante. Na obra associativa, por outro lado, o associado compromete-se a quitar o valor de sua unidade até a entrega das chaves.
Na incorporação imobiliária o adquirente adere ao projeto como apresentado, podendo fazer modificações, posteriormente, apenas dentro da sua unidade. Na obra associativa, por outro lado, o associado tem voz ativa na configuração geral do empreendimento, podendo, por exemplo, alterar acabamentos, reconfigurar o playground, escolher o elevador, etc.
Na incorporação imobiliária o incorporador é, à princípio, o dono do empreendimento e portanto, responsável por suas garantias. Na obra associativa, o associado é o coproprietário do empreendimento e, portanto, o corresponsável por suas garantias.
Como eu disse, dois modelos, dois estilos diferentes de se chegar ao resultado, que é a entrega de um imóvel. Principalmente no que tange ao modelo de financiamento, à customização do empreendimento e às responsabilidades legais de cada estilo.
A maioria das pessoas precisa da incorporação imobiliária pela flexibilidade do pagamento. Outras pessoas preferem a incorporação imobiliária por não quererem participar ativamente da customização do empreendimento. E há ainda aquelas pessoas que escolhem a incorporação imobiliária por não quererem lidar com eventuais responsabilizações legais. A soma destas pessoas representa quase a totalidade dos interessados em adquirir um imóvel. O que sobrar, pode ou não aderir a um grupo e empreender uma obra associativa.
*sócio da Construtora Santa Maria”
2 Comentários
João Vicente Menezes
Muito bem escrito e com conteúdo relevante!!!
Acompanho o relator!!
Eduardo Pereira
E por ser efetivamente pequeno é que sofremos por influência desses grandes grupos imobiliários que usurpam de um falso poder frente aos órgãos públicos do Estado, seja por influência ou por ingerência. Como vítima desse estado de coisas, por ter adquirido um lote em uma dessas associações, estou a mais de 4 anos sofrendo com a falta de imparcialidade desses mesmos órgãos, que buscam inviabilizar de todas as formas as iniciativas no sentido de regularização. Será que essa submissão tem que ser perpétua ou ainda há espaço para que possamos encontrar uma solução?