André David e Coronel Mano, duas atitudes de operadores da Segurança Pública que podem até parecer similares, mas não o são e acabam pedindo uma reflexão de toda a sociedade

Não é de hoje que a Segurança Pública tem tido um papel cada vez mais central na política. Isso é ruim? Necessariamente não! Mas e isso é bom? Também não é tão simples essa resposta.

Mas vamos aos fatos: o delegado André David ‘caiu pra dentro’ num caso de vias de fato entre uma pessoa e um pequeno grupo de mulheres trans no centro de Aracaju. Já Coronel Mano, da briosa PM sergipana, foi ‘pra cima’, via redes sociais, do cantor baiano Igor Kannário, contratado por prefeituras sergipanas para animar prévias carnavalescas e pra datas do Carnaval.

André, por dever de ofício, deu as caras e partiu pra cima da solução de um problema real. E embora tenha havido uma reação por parte dos defensores dos Direitos Humanos, caso mais visível da deputada estadual Linda Brasil (PSOL), o fato é que se tratou de um crime de agressão e ponto.

Na verdade, a transfobia alegada por Linda e por outros militantes – que estão no papel deles, diga-se de passagem – pode até ter ocorrido, e isso é reprovável. Mas o bicho pegou mesmo é em relação à agressão! O homem envolvido, embora sendo acusado de ter atentado contra a integridade física das mulheres trans, acabou sendo surrado! E, como se diz lá no interior, ‘ficou o móio’.

“Ah, AnderSonsBlog, mas isso foi uma reação à ação!”. Ok, leitor e leitora, pode até ter sido. Inclusive a casa aqui acompanhou uma reflexão bastante lúcida do jornalista Luiz Carlos Focca, ao lado do analista de Segurança Pública, Coronel Yunes, ambos na TV Atalaia, que dirime quaisquer dúvidas: caso o argumento das mulheres tras reste provado, de que o cabra em questão não pagou por um programa que teria supostamente contratado, seria na base da porrada que se resolve isso, é? Lógico que não!

E caso o argumento desse mesmo cabra reste provado, de que se tratou de um assalto, aí nem tem o que se discutir. Assim, em ambas as possibilidades, o delegado André David está certo na condução do caso e das investigações. E a exposição é uma consequência do drama que é a violência urbana.

“Ah, AnderSonsBlog, mas André David não tá ‘se aparecendo’ demais, não?”. Na verdade, não! E é simples explicar: até, se não falha a memória, o governo do saudoso Marcelo Déda, todos os esclarecimentos quanto a crimes, operações, investigações e que tais eram dados a partir da assessoria de Comunicação da Segurança Pública. Até pelo fato de tudo o que é feito em termos de segurança ter financiamento dos cofres públicos, né isso?

Se a política de Comunicação dos governos posteriores mudou, aí já não se pode responsabilizar nem André e nem nenhum outro operador da Segurança Pública sergipana. E mais: André é um cara letrado, culto e inteligente – quem reconhece que Mário Filho, irmão do grande Nelson Rodrigues, era ainda melhor que o genial dramaturgo, tem máximo respeito aqui da casa, beleza? – e não deixa passar a oportunidade de se comunicar com a sociedade. Tá certo ele, ora pois!

Bem, e agora temos o caso do Coronel Mano, que ‘desceu a ripa’ na contratação por parte de prefeituras do cantor Igor Kannário. Olha, a bem da verdade essa é uma discussão um tanto quanto estéril. Igor, oriundo da periferia de Salvador, é ex-deputado federal e faz das suas canções um mote de protestos contra as mazelas periféricas que alcançam diretamente quem mora em favelas e em comunidades. É lógico que a empatia com a juventude pobre é imediata.

Dentre essas mazelas, Igor ataca frontalmente os abusos policiais, que podem até ser exceções à regra, mas que de fato existem, infelizmente. Assim, no afã de defender a corporação, no que está absolutamente certo, Coronel Mano se excede, na opinião aqui da casa, ao tentar ‘emparedar’ prefeitos que contratem o cantor. Mas, pera lá, então quer dizer que a polícia não pode ser questionada e nem criticada? Não é bem assim, não!

A banda Titãs, lá no final dos anos 1980, lançou uma canção intitulada “Polícia”. Nela, os versos são claros: “dizem que ela existe/para ajudar/dizem que ela existe/pra proteger/eu sei que ela pode/ te parar/ eu sei que ela pode/te prender”. Meninos da classe média alta paulistana, os Titãs fizeram sucesso com essa canção e ninguém tentou ‘criminalizar’ a contratação da banda.

Agora, Igor Kannário é ‘maloqueiro’ – termo que, por si só, já carrega centenas de anos de um preconceito absurdo – e por isso não pode criticar a polícia? Claro que AnderSonsBlog não acredita que Coronel Mano tenha esse tipo de percepção. Mas não deixa de ser uma linha tênue essa que separa a defesa da corporação – legítima, reforce-se – do preconceito mais puro e simples!

E, de mais a mais, AnderSonsBlog confessa que não é fã do estilo musical de Igor Kannário. Mas entende que esse tipo de polemização só favorece a… Igor Kannário! Sim, porque quando o cantor ganha esse tipo de mídia, a verdade é que a mesma juventude que se sente representada por Igor fica ainda mais sedenta pra curtir seus shows. E como ingresso é caro em qualquer lugar, claro que essa mesma juventude acabará pedindo com ainda mais veemência que Igor Kannário seja contratado para festas públicas, ora pois!

Portanto, o vídeo de Coronel Mano pedindo que não contratem Igor Kannário pode ter um efeito diametralmente oposto. Simples assim!

Gostei 0
Não Gostei 0

6 Comentários

  • Maurício Nascimento

    24 de janeiro de 2024 - 09:31

    Kanario faz apologia às drogas em músicas. Só isso já deveria ser suficiente para não ser contratado com recursos públicos

  • Paulo Victor

    24 de janeiro de 2024 - 14:08

    Brasil de quem? Quantos não fazem apologia a drogar. E por trás dos panos são piores que (ele). E mesmo assim estão ganhando milhares de reais fazendo show em cidades que o valor do show e maior do que a arrecadação da própria Cidade. Parabéns AnderSonsBlog pelo seu trabalho 👏👏👏

  • Álvaro

    24 de janeiro de 2024 - 18:49

    Anderson, gosto bastante das suas análises e respeito as divergências, porém só queria propor a reflexão sobre o uso do “mas” quando se trata se transfobia. Quando dissemos que “pode até ter ocorrido, mas”, acredito que se coloca um grau de importância entre a agressão e a transfobia, sendo que ambas são crimes e formas de violência.

    Veja, o próprio delegado cometeu crime quando tratou as mulheres trans no masculino em vários momentos na imprensa. Ninguém vai falar disso? De um agente público indo à imprensa desrespeitar a identidade não só delas mas de diversas pessoas trans por tabela? Chamar uma figura assim de “letrado, culto e inteligente”, acho um pouco demais. Ele também vem publicando uma série de posts nas redes deles acusando pessoas trans de serem estupradoras. Chega a ser absurdo o ponto que chegamos de normalizar estarmos elogiando isso. Sejamos lúcidos e coerentes com as nossas críticas.

    • anderson

      25 de janeiro de 2024 - 09:06

      Oi, Àlvaro. Bastante lúcida a sua reflexão! Só queria destacar um ponto: o ‘mas’ não foi em oposição à transfobia, que como está registrado no texto é crime absolutamemte reprovável. O fato é que o ‘mas’ surge no texto pra destacar o crime já devidamente comprovado de agressão. O cabra ficou, como se diz no popular, ‘moído’. Já em relação a postura do agente público, na verdade vejo muita gente cobrando da imprensa que isso seja destacado e pouca gente lembrando que essa função – de cobrar a postura correta dos agentes públicos – é do estado, do governo, nesse caso. Por fim, ‘letrado, culto e inteligente’ são conceitos subjetivos que só um bom papo com o próprio podem confirmar ou não. No mais, bom demais ter vc por aqui, Álvaro! Opinião inteligente e qualificada como a sua, ainda que possamos divergir em algum ponto, sempre é muuuuuito bem-vinda! Valeu!!!!!

      • Álvaro

        29 de janeiro de 2024 - 10:04

        Obrigado pelo retorno!

      • anderson

        30 de janeiro de 2024 - 13:35

        ;-))))))

Deixe um Comentário