No centro aracajuano quase completamente desértico, a Freedon emerge como farol pra música autoral. E o Cinemerne, do grande Paulo Henrique, dá as caras e as cartas em evento fundamental

Não é fácil a vida cultural/musical aracajuana sob nenhum aspecto. Sim, porque os “grandes” shows se limitam a trazer gente de fora e quase nunca abrir espaço pra gente da casa. Pior ainda se essa moçada local focar na música autoral. Aí é que baba tudo mesmo!

É que, por falar em babação, o empresariado do entretenimento sergipano só quer saber do que “já deu certo” em termos de aceitação pública. Aí ficam babando a música baiana, o forró eletrônico, o pop nacional, o sertanejo e se conformam que a vida é isso, pelo menos a vida financeira de quem tá nessa atividade, né?

E quanto a música autoral? Necas de Pitibiriba! Quer uma ou duas provas? Lá vai: Deivinho Novaes e Unha Pintada tocam com absurda frequência fora do estado. Quando tocam aqui, quase sempre são eles que se autoproduzem. E isso, quando se fala nesses cabras ultrapops, das músicas pra tocar no rádio e papocar nos streamings da vida, soa incrivelmente contraditório. O segmento do entretenimento sergipano não liga patavinas pros artistas sergipanos. Fato!

E quando se fala em música alternativa, então? Ah, aí então temos uma grata surpresa. A loja Freedon, há décadas como referencial na música alternativa, no rock, no punk e que tais,  tá fazendo um favorzão pra quem gosta de música e não tem medo de experimentar novidades. Aos sábados, quase que em todos eles, tem espaço pra música autoral sergipana.

“Seria uma contradição ser uma loja de cultura alternativa e trazer bandas covers. Eu não consigo tocar em quase lugar nenhum, com exceção do Stones (casa de alternativos já tradicional em Aracaju), quando toco com a Máquina Blues. Mas, no mais, só tem espaço pra banda cover por aí”, vaticina Silvio Karne Krua ou Silvio da Freedon, como preferir.

Silvio é insistência e é RESISTÊNCIA com a sua Freedon

E foi num desses eventos, quando Silvio transforma a sua pequena loja, a Freedon, num “quase” bar, com mesas espalhadas na calçada da invariavelmente desértica rua Santa Luzia, ali na altura do número 151, que no último sábado, 18, AnderSonsBlog deu um pulo com um objetivo específico: ouvir música autoral ao vivo. O pocket show principal ficou com a Doutor Ayres & Os Tarja Preta, hard rock bem legal, numa sonoridade setentista bem ok.

Mas havia uma especificidade ainda maior nos objetivos daqui da casa: ouvir ao vivo o Cinemerne, projeto de Paulo Henrique, ex-vocalista da Lacertae e, seguramente, um dos maiores poetas do (combalido) rock sergipano. E assim se deu a vivência que proporcionou essa postagem.

Numa apresentação rara, rápida, concisa e arrebatadora, Paulo e seu Cinemerne, que consiste em Paulo e… ele mesmo, com sua guitarra em punho, deu uma porrada sonora na cara da mesmice que grassa, especialmente com tantas bandas covers sendo tratadas como “queridinhas” pelos poucos espaços disponíveis pra música em Aracaju.

Pra deixar um gostinho na boca do que foi perdido por quem não foi lá, AnderSonsBlog, de forma bem direta, posta dois vídeos feitos aqui pela casa no final dessa postagem: 100km com um Sapato, dos tempos de Lacertae numa versão direta e reta, e a instrumental Meteora. Ambas, sonoramente cruas, contrastam com o lirismo do texto de Paulo em tudo o que o Cinemerne produz.

E isso faz um bem danado, somando-se com o vocal seco, gritado e rasgante de Paulo Henrique, de forma a não deixar a riqueza poética, filosófica e imagética dos textos se açucararem. Como já dito: uma porrada sonora na cara seja da mesmice, seja da indulgência cultural que parece ser uma regra geral por aí, por aqui, por todo lugar!

Por fim, mas não menos importante, vale registrar uma citação de Fernando Pessoa feita pelo próprio Paulo Henrique enquanto a gente batia um papo e aguardava o diminuto, mas seletíssimo público, chegar para que as apresentações começassem: na vida, nós somos “cadáveres adiados”. Por isso mesmo que ouvir música autoral, prestigiá-la, acaba sendo uma forma de viver mais!

Pensa com a gente: se nós estamos aguardando a hora em que não seremos mais “adiados”, porque peste a gente vai ouvir sempre a mesma coisa que já ouvimos desde sempre e repetidamente? Ouça e apoie quem faz música autoral, porra!

E pra quem faz música autoral, Doutor Ayres & Os Tarja Preta e Cinemerne, pra ficar na experiência do sábado passado, e pra quem acredita nessa moçada, Silvio da Freedon, por óbvio, uma palavra: RESISTÊNCIA!

 

 

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