GRANDES REPORTAGENS – Instalação da Academia Riachãoense de Letras, Artes e Cultura é resgate histórico da grandeza de um povo marcante para a sergipanidade

Existem momentos em que vocações naturais, sejam de que natureza for, parecem se desvirtuar ou, menos dramaticamente falando, simplesmente deixam de ser características fundamentais, no sentido de terem, algum dia, representado mesmo uma espécie de fundação basilar essencial e, porque não dizer, fundadora de uma série de referências que nos remetem a alguém ou a algo.

Isso acontece com pessoas, com famílias inteiras e mesmo com comunidades completas. E as razões para tais “transformações” são as mais variadas, sendo que, dentre elas, algumas são decisões pessoais – quem não já pensou em deixar tudo o que faz e pelo que é reconhecido e tentar coisas novas, especialmente no que se refere a própria atuação profissional? – que obviamente impactam na família, enquanto outras são mudanças diretamente condicionadas a fatores externos. Dentre estes, existem tanto aqueles que podem simplesmente ser reflexo dos tempos, das modernidades, como aqueles que atendem a interesses espúrios de controle e de manipulação.

Neste segundo caso, invariavelmente se encaixam as mudanças que ocorrem em sociedades inteiras, especialmente em comunidades nascidas sob determinada égide, mas que são “mudadas”. E aqui cabe o bom exemplo da cidade de Riachão do Dantas, um celeiro infindável da intelectualidade literária sergipana, mas que, nos últimos anos, tem sido “vendida” como a “terra do bode Bito”, como a “terra do abacaxi” e, embora os dois epítetos sejam válidos, mas houve, sim, ao longo da história, a manipulação por parte de interesses dos poderosos para “esconder” que Riachão é a “terra dos grandes escritores sergipanos”, essa é a verdade!

Mas a boa notícia é que é possível reverter esse tipo de manipulação. Para isso, basta instituição séria e representativa, que abrace a causa como sendo de uma vida, apoios fundamentais dos órgãos públicos e se esclarecer á população o quão importante é valorizar suas melhores características para elevar, merecidamente, a autoestima de todos, sem exceção. E isso está acontecendo exatamente agora em Riachão do Dantas

UM PASSO ATRÁS GARANTE MUITOS SALTOS PRA FRENTE

Quem comenta o glorioso passado de Riachão do Dantas é o desembargador Manoel Costa Neto, riachãoense de quatro costados e um apaixonado pela cidade, pela sua história e, claro, pelos seus talentos.

Aqui é um berço, um berço muito grande. Olha, se nós observamos bem, isso se dá desde João Martins Fontes, no século XVIII, saindo da Bahia e vindo pra cá e pra Lagarto. Ele trouxe a família Fontes”, destaca Manoel, numa referência clara de que a fundação do município sempre esteve atrelada a gente de conhecimento intelectual insofismável.

Manoel da Costa Neto, desembargador, é apaixonado pelo seu torrão natal, Riachão, pela sua história e pelos seus talentos literários

Mas o desembargador também avança em outras frentes constitutivas da civilização riachãoense. “Riachão tem duas matrizes importantíssimas. Primeiro esse desbravamento feito por João Martins Fontes e através do neto dele, João Dantas Martins dos Reis, que é o emancipador político de Riachão do Dantas. E a Sesmaria do Riachão foi doada em 1753 por Pedro Homem da Costa, fundador de Estância, ao sobrinho Gonçalo Homem da Costa. Então tudo isso aqui pertencia, inicialmente, a essas duas ramificações”.

Vale destacar que a Estância, fundada por Pedro Homem da Costa, é a mesma Estância muito bem afamada pela valoração que dá a sua cultura. Portanto, um ramo familiar de quem fundou Estância sendo o “proprietário” inicial de Riachão é razão mais do que objetiva para que a intelectualidade riachãoense tenha suas razões de ser e de acontecer ao longo da história.

Mas é justamente esse olhar para o passado que permite que se entenda o presente e se projete o que virá no futuro. E, neste caso específico, o futuro é agora, respeitando o passado, com a instalação da Academia Riachãoense de Letras, Artes e Cultura (ARLAC), ocorrida no sábado, 20 de maio do ano da graça de 23.

Acadêmicos da ARLAC em pose para a foto oficial no dia da instalação da academia: talento literário e artístico reconhecido nacional e internacionalmente agora oficializado em terras riachãoenses

MUITA CHUVA COM O CAMPO E AS MENTES CULTIVADAS

A estrada nem é tão longa, com os quase 100km de distância entre Aracaju e Riachão do Dantas. Mas o dia inteiro atarefado e a estrada caprichosamente encharcada entre as duas cidades quase que acerta em cheio uma decisão de recuo, de ficar em casa, no quentinho espaço do lar.

Mas que nada! É que para entender toda essa relação intrínseca entre Riachão do Dantas e a literatura, em particular, e todas as demais artes, em geral, era necessário se fazer presente na instalação de uma instituição que, de fato, contemplará a preservação dessa memória e, principalmente, contribuirá para que todos riachãoenses percebam o lugar histórico que o município ocupa na intelectualidade sergipana, brasileira e mesmo mundial – importante lembrar que o titular da cadeira nº 3 da ARLAC, Chico Dantas, é reconhecido pelo sua obra não apenas no Brasil, mas no mundo todo!

Público presente superou todas as expectativas no dia da instalação da ARLAC. Uma prova de que a cultura, quando acessível, interessa a toda uma população

E é claro que um funcionamento pleno da ARLAC ainda permitirá que toda uma cadeia econômica em torno da cultura funcione. Aliás, desde o buffet, as recepcionistas, o sistema de som e de iluminação, as equipes de assessoria, enfim, muita gente ganhou dinheiro justo e trabalhado na noite da instalação da ARLAC.

E vamos a um exemplo seminal da importância econômica de uma instituição do porte de uma academia de letras, especialmente em uma cidade que é referência no assunto? “Todo esse pessoal que hoje compõe a academia sempre tem dado apoio à gente, desde o apoio moral mesmo, valorizando nosso trabalho, convidando a gente para todos os eventos e, muitas vezes, como nesta oportunidade, contratando a gente”, explica Raul Azevedo Santos, músico e atual presidente da Associação Musical e Social de Riachão do Dantas que, por sua vez, também representa uma tradição cultural riachãoense por estar na ativa desde 1959.

Raul Azevedo Santos, músico e atual presidente da Associação Musical e Social de Riachão do Dantas, destaca que apoio da ARLAC é fundamental para a sobrevivência de outras formas de expressão artística

Temos contas a serem pagas e que são pagas graças a esses contratos. Mas não é só isso, pois muitas das vezes também tocamos gratuitamente e chegamos também a ceder o espaço da associação para reuniões desse tipo. Porque a cultura é muito importante e, de certo modo, as vezes pode até ser esquecida, mas acaba sendo relembrado, com esses eventos, que aqui, em Riachão, há cultura. Não só a cultura através da nossa banda, mas a cultura literária e outros tipos de cultura que nós temos em nossa cidade”, reforça Raul Santos.

TODO CULTIVO DEPENDE DAS SEMENTES PARA VIR A GERMINAR

Mas todo esse esforço voltado ao passado, a recuperação e valorização de referenciais históricos da cultura riachãoense, algo obviamente encarado pela ARLAC como uma missão, como uma razão de existir e de ser, só terá valido a pena se essas ações realizadas no presente impactarem o futuro da cultura local.

Lúcia Vieira Santos, poetisa de apenas 18 anos, é uma constatação de que, sim, é possível respeitar o passado, interferir na realidade do momento e ter fé de que o futuro manterá o respeito ao legado de quem já fez e de quem está fazendo cultura. “A academia traz a abertura de diversas possibilidades para as pessoas que sonham, que se imaginam, que têm esse espírito de escritor, de poeta, que quer vir para a academia, que quer produzir. A gente sabe que Riachão só é pequena no tamanho mesmo. Porque quando a gente considera a magnitude das pessoas que viveram aqui, que marcaram esse território, aí a gente percebe quão grandiosa ela é”, observa Maria Lúcia.

Lúcia Vieira Santos, poetisa, considera que a chegada da ARLAC pode até ter tardado, mas que não falhou!

Para a poetisa, que tem uma relação pessoal especial com terra que considera seu berço efetivo, a chegada da academia tardou, mas não falhou. “Acredito que esse é um fato que já deveria ter se dado há muito tempo. Mas que bom que está acontecendo agora”, diz a poetisa “lagartense”? “Sim, meus pais são daqui e meu pai precisou ir morar em Lagarto. Só que minha mãe já estava grávida quando nossa família se mudou. Então eu nasci em Lagarto, mas fui gerada aqui em Riachão”, explica Luíza, provando que o ato de amor que a gerou extrapolou a concepção e continua gerando amor à Riachão mesmo após estes 18 anos de vida, né verdade?

Para o vereador Albertino Franco também vale a máxima de que se respeitando o passado é possível, no presente, apontar caminhos futuros. “Essa academia também representa o incentivo deles que aí estão para os novos escritores que estão produzindo também. A academia hoje é composta por vários jovens escritores, que já até lançaram livros. Então, é importantíssimo para o nosso município, pois Riachão vai ganhar muito em projeção. Riachão está sendo comparada a várias grandes cidades do nosso estado de Sergipe, pois estamos sendo reconhecidos pelo estado e pelo Brasil afora. Então, nós só temos a agradecer e, em nome da Câmara, vir prestigiar esse evento”, enaltece Albertino.

Vereador Albertino Franco destacou que ARLAC será um incentivo a mais para que a juventude riachãoense siga se interesando e se inspirando para a produção cultural local

Eu acompanhei a fundação da ARLAC e considero que estamos dando um pontapé nacional, pois temos figuras como Francisco e Ibarê Dantas, que cito por serem mais conhecidos. Mas temos também o Valeriano Félix, cordelista que muito fez e mostrou na literatura sergipana e brasileira. Então, essa instalação da academia hoje vai incentivar e reconhecer esse celeiro de ótimos e excelentes escritores que Riachão sempre foi”, avalia o vereador, um dos mais entusiasmados dentre todos os presentes ao evento.

ARLAC É UM DOS PASSOS PARA CRISTALIZAR REFERÊNCIAS CULTURAIS

E como toda boa recuperação histórica realmente eficiente, a ARLAC tem, como patrono, alguém que, de fato, fez a diferença enquanto poeta, escritor e jornalista: João Oliva Alves é o patrono da cadeira nº 1, ocupada agora por sua filha, a escritora Terezinha Oliva.

Terezinha Oliva, filha do patrono da ARLAC, João Oliva Alves, se emocinou com o convite para ocupar a cadeira nº 1 da academia e com toda a cerimônia de instalação

Eu tive medo do meu coração hoje. Porque, quando eu recebi essa notícia, de que eu seria distinguida com essa cadeira nº 1, já foi o início de vivenciar essa cena, esse cenário. E foi realmente perigoso (risos)”, destaca Terezinha Oliva sobre a emoção de ter sido a escolhida para ocupar justamente a cadeira cujo patrono é seu pai. “Eu não sei nem expressar a milha alegria e minha gratidão por esta distinção, e o meu orgulho pelo meu pai. O fato dele ter saído daqui já aos 34 anos, então ele já levou uma formação nas condições que Riachão lhe ofereceu. E isso eu acho que justifica a glória dele ser o patrono da ARLAC”, analisa Terezinha.

Mas para que se chegasse até o momento da instalação da ARLAC, todo um processo foi percorrido. “Foram duas reuniões iniciais, na qual eu participei já da segunda. A primeira foi em março de 2022 e, logo em seguida, aconteceu a segunda, quando os trabalhos começaram a deslanchar. Nós contatamos diversas academias. E o senhor Domingos Paschoal, da Academia Sergipana de Letras, nos disse que uma academia poderia ter seus dois momentos: o da fundação e o da instalação. O da fundação foi no dia 24 de maio de 2022. E hoje, 20 de maio de 2023, estamos vivendo o momento da instalação”, explica a primeira presidente da ARLAC, Edleide Santos Roza, ocupante da cadeira nº 4, que seguirá na presidência até 2026, sendo que, daí em diante, as diretorias terão mandatos de 2 anos.

Nós sabemos que esta é uma noite histórica, memorável pela forma como tudo isso está sendo apresentado a população riachãoense”, destaca Edleide. E, numa rápida passada de olhos pelo espaço escolhido para a instalação da ARLAC, não dá para tirar as razões da presidente da academia em considerar a noite realmente diferenciada!

Presidente da ARLAC, Edleide Santos Roza, e a prefeita de Riachão, Simone de D. Raimunda, compenetradas e acompanhando toda a cerimõnia de inatalação

Mas, então, seria isso e bastou? Seria apenas a questão da ARLAC como um fim em si de todo um resgate identitário de Riachão como referência cultural para Sergipe e para o Brasil? Para a prefeita do município, Simone de D. Raimunda, a ARLAC é, sem dúvida, um divisor de águas. “Com certeza é uma grande contribuição para a identidade riachãoense. Por isso mesmo que, enquanto gestora, demos todo o apoio possível para que essa cerimônia acontecesse e fosse tão bela como está sendo”.

Segundo Simone, a academia é a concretização de uma realidade, é tornar palpável uma característica do próprio município. “Nós somos um grande celeiro de intelectuais. E agora, com a academia, estamos materializando isso, que é algo que precisa ser reconhecido como identidade cultural e ser vivenciado por cada riachãoense”, ressalta a prefeita.

Mas a pergunta retorna: a ARLAC se bastaria, seria um meio e um fim em si mesma, no sentido de resgatar a posição cultural e intelectual de destaque de Riachão do Dantas? Para Simone, não! Para ela, esta é uma espécie de virada de chave. “A ARLAC foi fundada no ano passado, quando fizemos o nosso 1º Festival de Inverno de Palmares, que já é patrimônio sergipano. Neste ano, agora em agosto, teremos a nossa segunda edição, e já temos o maravilhoso Alceu Valença confirmado como uma das atrações. E vamos construir também o Memorial de Riachão do Dantas, para que o riachãoense possa ter orgulho de vivenciar a sua história. E a ARLAC terá essa função de romper fronteiras e, com isso, fazendo com que nós possamos ter orgulho de sermos uma terra de intelectuais”, finaliza a prefeita Simone.

Confrades e confreiras (à esq.) de diversas academias de letras de todo o Sergipe prestigiam a instalação da Academia Riachãoense de Letras, Artes e Cultura

Como se vê, ainda que não seja nenhum demérito ser chamada de “Terra do Bode Bito”, ou mesmo “Terra dos Abacaxis”, todo um conjunto de fatores concorre fortemente para que Riachão do Dantas passe, ou mesmo volte a ser reconhecida e chamada como a “Terra da Literatura”.

E Sergipe inteiro agradece, pois a qualidade de quem nasceu em Riachão e decidiu desbravar o caminho das letras, de forma específica, ou o caminho das artes, de forma geral, sendo destacada e elevada, os créditos recaem não apenas sobre o talento riachãoense, mas também sobre a tal sergipanidade que todos nós, sergipanos e sergipanas, deveríamos não somente reconhecer, mas também cantar, em verso e prosa, por todo o Brasil, por todo o mundo! Então, AnderSonsBlog vai fazendo a sua parte: viva Riachão do Dantas e sua cultura! Viva Sergipe e sua boa gente! Viva, viva e sempre viva! Simples assim!

 

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