Sindisan, Deso, Marcos, Fábio, Gustinho e Machado. É dessa sopa de letrinhas e nomes que se chega à conclusão que só o Realismo Fantástico teria criatividade pra justificar a venda da Deso!

O Realismo Fantástico é um ramo da arte. E nesse caso, vamos focar no viés dele na literatura, que por sinal deu ao mundo obras incríveis como 100 Anos de Solidão, do colombiano Gabriel Garcia Marquez, ou ainda, brasileiramente falando, personagens incríveis como um Odorico Paraguaçu do igualmente incrível Dias Gomes.

Sendo bem resumido e didático: no Realismo Fantástico, situações e personagens, de tão absurdos que são, invadem a realidade e dão um toque meio que de mágica às narrativas.

E em tempos de construções narrativas ao gosto do cliente, como se vê em profusão nas redes sociais da vida, AnderSonsBlog vai aproveitar esse gancho para falar da Deso e a possibilidade de privatização, de concessão, de PPP ou a peste que o valha!

Vale destacar que o BNDES já fez um estudo sobre a viabilidade da iniciativa privada entrar no jogo da distribuição de água e coleta de esgoto em Sergipe. E essa ideia já se mostra definitivamente encampada pelo governador Fábio Mitidieri (PSD).

Histórias da vida real

Mas vamos primeiro aos fatos reais: nesta sexta, 18, Fábio, na companhia do deputado federal Gustinho Ribeiro (Republicanos), assinou um empréstimo de R$ 375 milhões para a Deso.

O Sindisan, que é o sindicato dos funcionários da Deso, alertou que, desse valor, R$ 300 milhões não é uma conquista do governo de Fábio. Aliás, não é uma conquista de nenhum governante, se devendo a estudos da própria Deso, datados de 21, e que comprovam a capacidade de endividamento da empresa – e faz todo o sentido, pois ninguém empresta dinheiro a quem não tem condição de pagar, né verdade?

E o Sindisan vai além: a Deso tem ainda uma capacidade de captação de cerca de R$ 1,5 bilhão. E é aqui que entra o deputado estadual Marcos Oliveira (PL), principal nome no parlamento a defender a Deso.

Para Marcos, não tem o menor cabimento se investir na Deso um montante desses e depois privatizar, fazer concessão, PPP ou a peste que o valha – e tem toda razão, pois se a Deso não prestasse, que se colocasse logo a placa de VENDE-SE e se passasse a bagaça adiante, né não?

E aonde é que entra o ex-deputado federal e ex vice governador e ex vice prefeito de Aracaju, José Carlos Machado, nessa história da vida real? Na recuperação de um momento histórico da Deso. No primeiro governo do saudoso João Alves, Machado foi nomeado presidente do conselho de administração da companhia de abastecimento por João. E só pediu uma coisa: deixe os políticos de fora do conselho. E João atendeu.

Resultado: dentre outros nomes, Machado convidou Henrique Menezes, do Grupo Samam, Januário Conceição, da Associação Comercial, e o histórico Oviêdo Teixeira, um dos maiores nomes empresariais da história de Sergipe.

E tem uma história que é fenomenal: numa das reuniões do conselho, um diretor da Deso expôs que seria necessário aumentar a tarifa da água pra cobrir os custos da companhia.

Depois de muita discussão, o diretor foi demovido da ideia do aumento da conta de água por conta dos argumentos de Oviêdo, que sustentou que para aumentar os ganhos da Deso, ao invés de aumentar a tarifa, o que teria que ser feito era aumentar o total de consumidores atendidos – e bem atendidos, diga-se de passagem –, além de conquistar grandes clientes – esses empresariais e industriais -, pois isso sim é que garantiria mais arrecadação e, o melhor, mais arrecadação sustentável para a Deso. Tá vendo que com menos política e mais trabalho a Deso tem jeito, sim?

Estórias do Realismo Fantástico

E finalmente chegamos a criatividade explosiva que leva a construção de narrativas de que a Deso é deficitária e que parece ter o Realismo Fantástico da literatura como fonte de inspiração.

Primeiro o governador Mitidieri usa e abusa de um discurso de terra arrasada para a companhia de abastecimento. Já chegou a dar entrevistas em que, para justificar a passada do controle da Deso para a iniciativa privada, falou na necessidade de R$ 9 bilhões em investimentos e que o governo não teria como arcar com isso.

Ei, mas pera lá! Se a Deso, por si, já tomou R$ 300 milhões e pode tomar mais R$ 1,5 bilhão, de posse desses recursos e realizando corretamente os investimentos, a Deso amplia sensivelmente a sua base de consumidores e, faturando ainda mais, pode tomar mais recursos para investir ainda mais. É o tal ciclo virtuoso, né isso?

Outro argumento fantasioso de Fábio é de que os problemas da Deso são da Deso. Na-na-ni-na-ni-na-não! Os problemas da Deso dizem respeito ao governador, que é quem nomeia o comando da companhia e acabou! Essa transferência de responsabilidade é de uma criatividade que nem Marquez poderia reproduzir, embora tenha o colombiano criado o fantástico encontro do coronel Aureliano Buendia com uma pedra de gelo na cidade de Macondo – tem que ler 100 Anos de Solidão do genial Gabriel Garcia Marquez, viu leitor e leitora?

E aonde é que o deputado Gustinho Ribeiro entra nessa parte do Realismo Fantástico da narrativa sobre a Deso? Simples: chegou agora e já quer sentar na janela só porque nomeou o presidente da Deso – o mesmo que dedicou a uma festa pública em Lagarto, cidade administrada pela esposa de Gustinho, uma fábula em recursos públicos em forma de patrocínio.

Assim, Gustinho, além do papel de papagaio de pirata nas fotos, tenta até parecer um Odorico Paraguaçu no episódio do empréstimo da Deso. Mas, quando muito, tá mais é pra um Dirceu Borboleta, pela fragilidade de sua posição de “mando”, ou para um Zeca Diabo, pelo papel de faz tudo pro chefe sem discutir – tem que ler Dias Gomes e o seu incrível O Bem Amado, viu leitor e leitora?

Entende porque nem genialidade e nem a criatividade de um Marquez e de um Gomes seriam páreo para o Realismo Fantástico imposto em forma de narrativa para descredibilizar a Deso e, ao final e ao cabo, gerar um ambiente favorável a privatização, à concessão, a PPP ou a peste que o valha! Sigamos!

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4 Comentários

  • JOAO ACCIOLI MENEZES LINS

    19 de agosto de 2023 - 23:59

    Excelente texto! Narra de forma objetiva a realidade sobre a Deso que o governador quer descredibilizar. PARABÉNS!

  • Ribeiro Filho

    21 de agosto de 2023 - 06:32

    Temos dois excelentes exemplos de empresas públicas que foram privatizadas e melhorou bastante o atendimento ao povo sergipano. A privatização das empresas de telefonia/Telegipe e a a Energipe. Não temos nenhuma saudade dos tempos do serviço prestado por essas estatais. A Deso é um peso desnecessário ao estado de Sergipe e, uma imensa dor de cabeça para o usuário dos seus serviços. Todos os serviços já estão terceirizados, não vemos a necessidade de manter essa estrutura de cargos carcomida e sem nenhuma utilidade para o povo sergipano. Melhor vender, enquanto ainda vale algum dinheiro no mercado. O Estado precisa apenas ajustar as condições legais, para quem vai explorar esse nicho do mercado.

    • Dom

      21 de agosto de 2023 - 15:21

      A privatização dos serviços de telefonia não pode ser utilizada como parâmetro. A telefonia não é um serviço público essencial à vida, mas vale ressaltar que temos um serviço muito caro e muito deficiente. Antes uma péssima qualidade nas ligações, e hoje uma péssima qualidade no sinal de internet. Entretanto, Energia Elétrica e Saneamento sim, podem ser comparadas como direito da população. Hoje, a energia elétrica no Brasil, imensamente privatizada, é uma das mais caras do mundo. Nós temos uma das melhores matrizes energéticas do planeta, temos uma capacidade de produção de energia gigante e, ainda assim, uma das tarifas mais altas. A empresas privatizadas de energia elétrica divulgam lucros bilionários todos os anos, inclusive nos anos de pandemia. Você sabia que, mesmo com esses lucros, o governo aportou dinheiro nessas empresas porque o lucro foi menor que o projetado? Sim, a pandemia reduziu o lucro dessas empresas e o governo aportou dinheiro para não “pegar mal” para os acionistas. E ainda disse “depois aumente a tarifa para me pagar de volta”. Além disso, a privatização é só do que dá lucro. Como assim? Levar energia para uma região pobre, tarifa social, povoado, assentamento, não dá lucro. Fornecer o serviço para essa população dá prejuízo para qualquer empresa pois a arrecadação é baixa. Então o governo subsidia todo esse “prejuízo”. E, para compensar, repassa em impostos que pagamos. É triste, mas não existe privatização no Brasil, o que existe é cessão do lucro para benefício de grandes empresários. E para nós, a população, existe aumento de tarifa do serviço e de impostos. O que a DESO precisa é de menos política e de uma gestão técnica. Capacidade de atender a população com qualidade e preço justo ela tem, basta o governo querer.

  • Adilson

    21 de agosto de 2023 - 07:49

    Descrição perfeita da política atual…e das dobras e desdobras dessa novela da possível privatização da Companhia

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