Quer argumentações jurídicas que demonstram que as Associações Pró-Construção são legítimas e que o combate a elas é perseguição? Então comecemos! (PARTE 1)

Três renomados advogados, Paulo Fraga, Philipe Almeida e Matheus Chagas, toparam um desafio de AnderSonsBlog: responder em conjunto algumas questões que dizem respeito direto às perseguições que as Associações Pró-Construção vêm sofrendo em Sergipe, em detrimento à consagrada atuação que o modelo associativo exerce nos demais estados do país.

Mas como existem pessoas com visão aguçada e com a capacidade de explicar de forma clara o que de fato está ocorrendo, buscamos justamente esse trio, que atua na defesa das empresas que prestam assessoria à Associações Pró-Construção e, por consequência, também têm sido vítimas de perseguição, para que, mais uma vez e novamente, possamos abrir o debate a partir de quem vem sendo fortemente perseguido, inclusive por setores da mídia que se renderam a um dos lados da questão. O que é, combinemos, algo extremamente triste.

Sim, porque AnderSonsBlog já abriu espaço para a Aseopp e seu presidente, Luciano da Celi, e esse espaço segue aberto. Acontece que o direito das associações é tão bom, mas tão bom, que a própria Justiça já reconheceu isso reiteradas vezes. E a casa aqui faz questão de deixar claro que, nesse embate, tem lado: o lado dos associados, do direito à livre escolha, da liberdade econômica e a concorrência ampla, sem subterfúgios que visem prejudicar qualquer que seja o player num segmento tão importante como é o imobiliário.

Por isso tudo é que mais essa série especial de AnderSonsBlog começa justamente querendo esclarecer um desses subterfúgios que têm sido fartamente utilizado nas perseguições contra as Associações Pró-Construção. Afinal, o que é Lawfare?

‘Lawfare’ é um neologismo de língua inglesa que vem da contração entre ‘law’ (direito) e ‘warfare’ (guerra). No sentido já consagrado, a palavra designa uma prática de assédio jurídico, na qual o assediador, em uma estratégia consciente, usa ferramentas jurídicas para obter resultados antijurídicos.

O Ministro do STF Cristiano Zanin, junto com sua esposa, a advogada Valeska Zanin, e o jornalista Rafael Valim, publicou a primeira grande obra sobre o tema no Brasil (Lawfare: uma introdução). No livro, faz uma detalhada descrição das táticas usadas no lawfare, que é uma guerra em pelo menos dois fronts: o da guerra jurídica e o da guerra de narrativas.

Na guerra jurídica, o que acontece é um abuso do direito de pedir providências dos órgãos de controle estatal. É certo que toda pessoa tem a prerrogativa de acionar os órgãos do estado para pedir a proteção de direitos. Só que, no exercício regular dessa prerrogativa, a pessoa está limitada pelas regras que o direito impõe para que não ocorram abusos.

Podemos mencionar dois exemplos: as regras de legitimidade e as de competência. Primeiro: a pessoa deve ter legitimidade para pedir que o estado proteja aquele direito. Fulano não pode simplesmente buscar a Justiça para proteger um direito de Beltrano, se a lei não trouxer essa possibilidade. Segundo: o pedido deve ser feito junto ao órgão que tem competência para conceder a proteção pedida. Fulano não pode fazer uma representação junto à Receita Federal, ou ao Ministério Público Federal, sobre uma questão que envolve um tributo estadual. Da mesma forma, Beltrano não pode pedir a um juiz cível a condenação criminal de Fulano.

Essas e outras regras servem para dar objetividade e certeza sobre quem pode pedir o quê a quem. No lawfare, essas regras são totalmente ignoradas, pois o objetivo real de quem o pratica não é o de ter um direito protegido, mas o de aniquilar um inimigo. Para atingi-lo, o assediador pede a proteção de direitos que não tem legitimidade para pedir a órgãos que não tem competência para atender ao pedido. E não faz isso uma vez, mas várias vezes ao mesmo tempo.

Além disso, o lawfare emprega tipicamente a tática das acusações frívolas, ou “frivolous charges”, como chamam no direito anglo-saxão. São acusações sem base de fato ou de direito: ou os fatos não aconteceram da forma como o acusador alega, ou as normas que ele diz que devem ser aplicadas àqueles fatos não são aplicáveis — normalmente, há uma mescla das duas coisas. Para eliminar o inimigo, qualquer pretexto que pareça minimamente legal serve. O que importa não é o direito ser bom, mas o inimigo ser aniquilado.

No lawfare, os fins justificam os meios: não importa que o assédio seja lícito, basta que pareça ser. Como toda pessoa tem o direito de acionar o estado para que proteja um direito seu, o assediador que comete lawfare se vale disso como pretexto para dar à prática a aparência do exercício regular de um direito. Trocando em miúdos, é a popular chicana — a palavra é essa.

Mas o Judiciário está atento a essa prática cada vez mais disseminada. A Ministra do STJ Nancy Andrighi, no emblemático julgamento do Recurso Especial nº 1.817.845/MS, condenou o emprego desse tipo de ardil camuflado e obscuro. Ela chegou a usar palavras duras, mas infelizmente precisas, dizendo que “o chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas”. E conclamou a Justiça a “refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça”.

Cabe ao Judiciário cumprir esse dever. O primeiro front, da guerra jurídica, dá munição ao segundo: o da guerra de informação. As acusações, mesmo sendo frívolas e burlando as regras de legitimidade e competência, são tudo o que o assediador precisa para alardear na mídia que o inimigo “está sendo investigado”, manipulando a opinião pública contra ele.

É importante ressaltar que os meios de comunicação são coniventes, porque não oferecem o mesmo espaço para noticiar o lado da vítima assediada. Um jornalismo declaratório, que não apura os fatos e não ouve os dois lados, convenhamos, é um mau jornalismo — se é que se pode chamar de jornalismo. Em alguns casos, não é: é assessoria de imprensa”.

E pra fechar essa primeira parte dessa série especial, explicado isso, é possível considerar que a Aseopp, em suas repetidas ações, age pelo Lawfare para tentar desqualificar as Associações Pró-Construção?

A ação civil pública movida pela ASEOPP junto à 4ª Vara Cível de Aracaju preenche um longo checklist de táticas que revelam sua real intenção. Seu forte não é, de maneira nenhuma, a qualidade técnica dos argumentos — aliás, a ação é repleta de defeitos primários.

São tantos erros técnicos básicos que é difícil alegar que se deram por simples falta de conhecimento. Podemos citar alguns.

Primeiro: a ASEOPP, na ação civil pública, pede que as empresas que assessoram as associações pró-construção sejam condenadas em uma contravenção penal contra a economia popular e outra de exercício ilegal da atividade de corretor de imóveis. Mas ação civil pública corre em vara cível, e não em vara criminal, então esse pedido é juridicamente impossível por isso. Também é impossível porque pessoa jurídica não comete contravenção nem crime, fora os da Lei de Crimes Ambientais. Além disso, só quem detém a legitimidade para pedir a condenação de alguém por contravenção penal é o Ministério Público.

Segundo: a ASEOPP, na ação civil pública, pede que as rés sejam condenadas a pagar impostos que diz que elas devem. Mas a Lei nº 7.347/85, que estabelece as regras sobre a ação civil pública, diz no parágrafo único do seu artigo 1º que “não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos”. E, como bem pontuou o Desembargador Ricardo Múcio na sessão em que o TJSE negou o recurso da ASEOPP contra a decisão que rejeitou suspender as atividades das associações pró-construção, os empreiteiros membros da ASEOPP não são fiscais da Receita para formularem pedido nesse sentido.

Terceiro: a ASEOPP também pede que as rés sejam condenadas por violação da ordem econômica e tenham que pagar uma multa de 20% do seu faturamento bruto, prevista na Lei nº 12.529/2011. Só que essa própria lei diz que a competência para discutir essa questão não é da Justiça, mas do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), um órgão do Poder Executivo Federal.

Quarto: o assédio também está claro quando a ASEOPP pede que o juiz intime o MPF, o CREA, o CRECI, a Receita Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Secretaria da Fazenda de Aracaju, a Secretaria da Fazenda da Barra dos Coqueiros, e até o CADE para que intervenham no processo. Ora, que sentido faz pedir para o Ministério Público Federal atuar em um processo que corre na Justiça Estadual? Ou o Ministério Público do Trabalho em um processo da Justiça Comum? Ou a Receita Federal em uma ação civil pública, que não pode ser usada para discutir questões tributárias?

Quinto: na ação, a ASEOPP pediu que o juiz concedesse uma liminar para suspender todas as atividades das associações pró-construção, paralisando as obras já em andamento e proibindo que novas associações fossem constituídas. O pedido, é claro, foi negado, pois a liberdade de associação é um direito fundamental previsto no art. 5º da Constituição. Da decisão que negou a liminar, a ASEOPP moveu um recurso para o TJ, que foi também negado, com uma contundente manifestação dos desembargadores de que a ação era completamente descabida. Não satisfeita, a ASEOPP moveu um recurso especial para o STJ, em Brasília. O problema é que não cabe esse tipo de recurso contra decisão que rejeita liminar. Mesmo assim, a ASEOPP recorreu.

Mas o erro técnico mais gritante de todos é o que fez a ação da ASEOPP ser rejeitada pelo juiz da 4ª Vara: sua ilegitimidade para mover a ação. O pretexto da ASEOPP para pedir a suspensão da atividade das associações pró-construção era o de que elas estariam cometendo “flagrante violação ao patrimônio dos consumidores, infração à ordem econômica e ao patrimônio público e social, e ainda, afronta aos direitos e interesses difusos e coletivos”.

Soaria muito altruísta a Associação Sergipana dos Empresários de Obras Públicas e Privadas estar tão preocupada com os consumidores, a ordem econômica, a ordem econômica, o patrimônio público e social e os direitos e interesses difusos e coletivos, não fosse o fato de que essas são as matérias que a Lei nº 7.347/85 diz que podem ser tratadas por ação civil pública, e de que, do outro lado, estão concorrentes que ameaçam a hegemonia das grandes empreiteiras com um novo e mais moderno modelo de negócios.

No entanto, a própria lei diz que, para associações privadas terem legitimidade para propor ação civil pública, é necessário que essas matérias sejam suas finalidades, previstas no seu estatuto social. O estatuto da ASEOPP, é claro, não diz nada disso — pelo contrário, diz e repete que suas finalidades são apenas as de defender os interesses dos empresários associados. Foi com base nisso que o juiz, na sentença, rejeitou a ação, declarando a ilegitimidade da ASEOPP.

Esses são apenas alguns dos defeitos técnicos da ação, tão básicos que nenhum estudante da metade do curso de direito cometeria. Sendo tantos, e tão gritantes, e tão óbvia a real intenção da ASEOPP com a ação civil pública, fica muito difícil argumentar que não se trate da conduta do chicaneiro, que nunca que se apresenta como tal, como bem alerta a Ministra Nancy Andrighi. Essa chicana — é lamentável ter que usar essa palavra — persegue as associações pró-construção desde 2020, obrigando-as a se defender sem trégua, atuando constantemente sob o risco de alguma decisão de algum órgão que, por erro, ou como resultado da força econômica da ASEOPP, atente contra suas atividades legítimas e perfeitamente lícitas”.

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